domingo, 1 de maio de 2011

Augustus (Parte III)


O Caminho para Bouvines e Paz de Lambeth

Para compreender os acontecimentos que antecedem Bouvines é necessário compreender a relação do espaço francês com o Império Sacro Romano-Germânico. Em 1197 morre Henrique VI, filho de Frederico Barbaruiva, havendo dois candidatos a coroa imperial: Otão de Brunswick, protegido do Papa e do seu tio João I de Inglaterra, e Filipe da Suábia, irmão de Henrique VI, apoiado por Filipe Augusto. Otão acabou, depois da morte do seu rival, por se tornar Imperador em 1209, sendo excomungando e deposto pelo Papa no ano seguinte. Filipe II com a morte do seu partidário, tornasse aliado de Frederico II da Germânia, rei da Sicília e filho de Henrique VI.

Entretanto, João I de Inglaterra decide imiscuir-se na nomeação do Arcebispo da Cantuária, recusando o candidato papal, o que resulta no interdito ao reino em 1208 e na excomunhão do monarca pelo Sumo Pontífice em 1209. Esta situação agudizou-se com o confisco dos bens eclesiásticos, decretada por João I, e com a revolta dos nobres. Num ambiente de guerra civil, com a coroa do seu reino a ser oferecida a Filipe Augusto pelo papa, o rei inglês opta por, em 1213, submeter-se ao papa e enfeuda os seus reinos à Santa Sé, pagando tributo de vassalagem.

Pouco depois as hostilidades entre os dois reinos recomeçaram, com João aliado ao Conde de Borgonha e ao Imperador excomungando Otão IV contra Filipe II.
Durante o início do conflito o papa Inocêncio III apoiou João I da Inglaterra. A França sofreu uma importante derrota marítima em Damme, e os condados da Bolonha e da Flandres, que oscilavam nas lealdades entre Filipe II e João I, foram fustigadas pelo rei francês e o príncipe Luís.
No início de 1214 João I lança um ataque a partir da Aquitânia esperando conseguir vantagem militar frente as forças francesas, concentradas na Flandres. Luís, herdeiro de Filipe II, é encarregado pelo pai para liderar as forças que combatem João e os senhores feudais seus aliados, levando à fuga destes de França em Julho.
A coligação oposta à França teve a sua derrota definitiva num domingo a vinte e sete de Junho de 1214, em Bouvines. Nela o Imperador deposto foi obrigado a fugir, resultando também a captura de importantes nobres da coligação, como Reinaldo de Dammartin e Fernando de Portugal.
Como consequência desta derrota, em Chinon, Filipe II e João I, com intervenção papal, estabeleceram uma paz de cinco anos e João cedeu os territórios de Berry, Touraine, Maine e Anjou, pagando uma indemnização de guerra de sessenta mil libras.

Filipe Augusto, argumentando que João Sem Terra tinha traído o seu irmão Ricardo, morto o seu sobrinho Artur I da Bretanha, e invocando a ligação familiar de Branca de Castela ao monarca inglês conduz o seu filho, o futuro Luís VIII, numa campanha militar deste modo legitimada contra Inglaterra.

Alguns nobres ingleses começaram a rebelar-se com a má administração do rei[1], mas João manteve o apoio papal. Em 1215, a quinze de Junho, em Londres, João aceita a Magna Carta, documento imposto pelos nobres[2]. Entre 1215-1217 Inglaterra vive uma guerra civil, que termina com a morte de João I e a coroação do seu filho, ainda menor, Henrique III. Em 1217, a já a muito planeada invasão francesa realiza-se, terminado em desgraça com a batalha de Lincoln às mãos do regente inglês, Guilherme, O Marechal. Na Paz de Lambeth, entretanto celebrada, Luís de França renúncia as suas pretensões ao trono inglês e são reconhecidas as perdas territoriais inglesas no continente.

A Cruzada Albigense

Entre os anos de 1209 e 1229 decorreu uma importante acção repressiva à heresia catarista: a cruzada albigense.
O catarismo, que se desenvolveu no Languedoc, em França, numa área de grande tendência autónoma, era um movimento herético, místico, de origem oriental, trazido pelos participantes da segunda cruzada, que apelava ao regresso da pureza do evangelho primitivo, repudiando a violência e negado a propriedade privada.
A excomunhão do Conde de Toulouse Raimundo VI em 1207, que se apoiava nos cátaros para manter a sua autonomia, e o assassínio do legado papal no Languedoc, levou Inocêncio III a apelar à intervenção das autoridades laicas na perseguição a estes hereges, dando origem a esta cruzada em 1209. Com o retratamento de Raimundo ao poder papal, este junta-se ao exército cruzado na submissão de outros nobres locais.

O primeiro episódio desta sangrenta e duradoira luta foi protagonizado por Arnaud Amalric liderando os cruzados na chacina da população da cidade de Beziers. A chefia dos cruzados foi depois assumida por Simão de Monfort[3], conseguido este a muito custo submeter a cidade mais importante da região, Toulouse.
Várias revoltas emergiram ao longo dos tempos, apoiando o deposto Conde Raimundo, até que Amaury VI de Monforte, filho de Simão e novo Conde de Toulouse, requereu ao seu rei e senhor o apoio na subjugação dos cátaros. Em resposta, Filipe Augusto desejando demonstrar interesse na cruzada, envia o seu herdeiro, que conduz a terceira expedição cruzia à região, em 1219.
O conflito é finalizado com a morte prematura de Luís VIII e com os tratados de Paris em 1229.

A acção de Filipe II não resolveu os problemas causadas por esta heresia, continuando a haver tensões religiosas nesta área nos reinados subsequentes[4]

O Poder Central

A administração central no reinado de Filipe II tornou-se mais eficiente, ajudando a gerir os muitos e novos territórios sob controlo directo do monarca como também outras áreas distantes do reino que estava sobre a sua influência. Exemplos dessa eficiência administrativa são: a criação de assembleias locais; uma política de fortificações e de castelos (como é o caso de Paris); a introdução de uma nova estrutura administrativa, que permitiu o exercício directo do poder sobre o território[5], originada na ocasião da sua partida para a Terceira Cruzada por uma ordenação-testamento de 1190.
Nesta nova estrutura administrativa destacava-se a criação dos bailios[6], oficiais de nomeação régia, oriundos da classe média, que percorriam os domínios reais sob solicitação para administrar a justiça[7] e também para iniciar uma contabilidade do reino. Não exercendo propriamente poder mas representando o rei, estes funcionários eram pagos directamente pelo soberano e submetidos a um forte controlo, com a obrigação de prestarem contas três vezes por ano. Os bailios eram ainda assistidos por prebostes, que julgavam os assuntos correntes e as contas locais.

Outro sinal indicativo da emergência de um estado central forte é o desenvolvimento da ideologia real. O uso da flor-de-lis como símbolo real, os funerais solenes dos monarcas, a unção régia, a homenagem feudal, a continuação da prática dos casamentos com princesas de origem carolíngia, a encomenda de um poema épico (a Filipíada de Guilherme o Bretão), o uso crescente do termo Francia nos textos e sobretudo da fórmula rex Francia em decretos a partir de 1204[8]. De salientar, também, a importância ideológica e de consciência nacional que emana da bula Per Venerabilem, de Inocêncio III, na qual se afirma que Filipe II é autoridade temporal máxima na França e no direito feudal[9].

Das várias medidas inovadoras tomadas pelo rei destacam-se ainda: a criação da Universidade de Paris, em 1200[10]; medidas protectoras do comércio, benéficas para as feiras de Champagne; a valorização da urbanização, das cidades e dos seus grupos sociais, nomeadamente a burguesia, da qual provinham os legistas, os letrados e os principais financiadores do rei.



[1] Como no caso da quarentena de rei, lei que proíbia o conflito entre indivíduos e grupos até quarenta dias após a ofensa (exceptuando no caso de um dos envolvidos ser o próprio rei ou um seu descendente), facto que dava tempo para apelar à autoridade real.
[2] Inspirados nas reformas administrativas de Henrique II da Inglaterra, postas em prática em 1176.
[3] Funcionando principalmente como justiça de apelação, o que representa a recuperação de uma das componentes mais importantes do poder régio.
[4] No entanto, só Luís IX de França alteraria o título oficial de rex Francorum (rei dos Francos) para rex Franciæ (rei de França).
[5] É inclusivo empregue a expressão “é Imperador de seu reino”.
[6] Por decreto real, facto que permitiu que esta instituição subtrair-se da jurisdição eclesiástica, possibilitando assim o seu desenvolvimento rápido.
[7] O rei, que é o garante da religião, da ordem e do status social no reino, não estava neste caso a cumprir as suas obrigações.
[8] Este é o documento que transforma a monarquia inglesa num regime no qual o rei tem menos poderes e passa a ser controlado por uma assembleia composta por vinte cinco nobres.
[9] Este é o nobre francês que matou em batalha o rei de Aragão, Pedro II, que aliado a Raimundo VI pretendia evitar o controlo directo da coroa francesa desta região e o consequente estabelecimento de um poder forte na fronteira norte do seu reino.
[10] A intervenção do monarca francês teve como único interesse subjugar o Conde, colocando o Languedoc sobre influência real.

Sem comentários:

Enviar um comentário