Afinal daqui não sai ainda uma “crítica” ao Ummagumma, quarto LP dos Pink Floyd, editado em 1969, que eu inicialmente tinha prometido pois achava que era bom falar de uma das minhas bandas favoritas (as outras são os Nirvana e os Police…Sim, sou um tipo esquisito que é capaz de não ouvir nenhum tema deste projectos musicais durante seis meses e ouvir tudo desde Paul Anka, passando por Shiina Ringo, até Cannibal Corpse!) e de um álbum que é na maioria dos casos mal compreendido e mal tratado, sendo até designado por Robert Christgau como “an admirable record to fall asleep to”. De qualquer modo, aqui vai-se falar do The Wall. Obra que regra geral as pessoas relacionam como aquela tema do “teacher leave the kids alone” e com os martelos do teledisco deste tema. O.K. pronto, estou a ser injusto, também muitos se lembra do Comfortably Numb, e alguns, pouquitos, com mais de quarenta, lembram-se do filme do Alan Parker feito em 1982 (salvo erro). Este LP, de dois vinis ou dois cds, conta a história de um músico, Pink, que vive uma típica vida trágica rockeira, com uma mistura perigosa de drogas, isolamento social, traumas que vão, a certa altura, borbulhar à superfície, desespero e um pouco, só uma “pitada”, de auto-destruição.
É para muitos um dos melhores álbuns Opera Rock de sempre (para além do Tommy do The Who), eu por mim prefiro designá-lo por um álbum conceptual, com um grande cunho reflexivo. E isto porquê? Olha, o álbum foi feito num período atribulado da vida da banda (um pior momento se seguiria), em que Roger Waters tinha começado a fazer uma limpeza ao seu sótão de ideias depois de ter cuspido na cara de um fã na tour In The Flesh (que promovia o álbum anterior, Animals). Então engendrou uma história, que para mim tem traços de auto-biografia, mais evidentes do que a mera coincidência de Waters com Pink terem perdido os seus pais na Segunda Guerra Mundial, no ano de 1944, em Anzio (Itália). De qualquer modo, se me dedicasse só a explicar porque é que Pink é Waters mais valia escrever um livro com os pros and cons (piada foleira para fans da música deste compositor).
INICIO DE SPOILERS
Avançando, a história fala de um sujeito traumatizado pela morte do pai, pela sua excessivamente protectora mãe, pelos professores frustrados que maltratavam psicologicamente os seus alunos, tentando transformá-los em ovelhinhas (se é menina é Martha Stewart, pré-cadeia, se é menino é…sei lá, Michal Jackson ainda negro?). Para isto ele constrói à sua volta um muro metafórico, e como todos os sujeitos, ou quase todos, com problemas vão para a música/ drogas ele torna-se um músico famoso e pára a construção do “muro” (refugia-se nesta nova vida), casando. Mas nem tudo corre bem, a mulher traiu (e é fria como o camádio!) e ele acaba por fechar a sua volta este artifício mental que o protege de todas as agressões externas. Após isto, temos a sua busca pessoal de contacto humano que sai infrutífera, descambando numa fantasia que permite a sobrevivência de si neste clima pesado que trespassa a história. A ilusão, de um líder que cariz neo nazi (não há suástica mas há martelos cruzados) a falar para uma multidão que o segue obcecadamente (parece num comício à lá Nurembega) e sobre a qual afirma as suas medidas de violência. Até que tudo PARA e o seu cérebro, meio confuso faz face a ilusão, pondo Pink num tribunal, e destrói o muro enfrentando a messy reality. Já agora, o álbum fecha com um frase que se conclui no início do mesmo (carácter cíclico da história, Giro!!!).
FIM DE SPOILERS
E pronto cá vai uma coisa mais específica, o alinhamento, os altos e baixos, que para uns é corrido de um tsunami de qualidade inegável e que um dia vai ser aceite como dogma por uma qualquer Igreja Universal da Santa Amolgadela (direitos reservados na SPA para mim) e que para outros “é prontos e coiso e tal” (elucidados? Não, olhem é algo que corresponde em lisboeta a “pois!”, a.k.a total indiferência).
O álbum inicia-se bem com In The Flesh?, com pujança começa o próprio Pink a anunciar que vai narrar a sua história. Depois segue-se momentos marcantes do álbum, como The Happiest Days of Our Lifes que introduz o carismático Another Brick in The Wall Part 2. O primeiro tem uma tirada linda “When they got home at night,Their fat and psychopathic wives would thrash them,Within inches of their lives.”, e refere-se aos, já mencionados, abusos dos professores, tal como o Another Brick 2 que é mais conhecido pela sua letra provocatória, que numa escola pós-vinte cinco de Abril foi usada como hino para uma greve liderada pelo meu padrinho, (“We don´t need no education, We don´t need no thought control, No dark sarcasm in the classroom, Teacher, leave those kids alone, Hey, teacher, leave those kids alone!”)]; o solo de guitarra de Gilmour; o coro das criancinhas e um bom teledisco. Ainda no primeiro cd (não tou para ir ver a correspondência no vinil), temos Young Lust, que precede a parte mais calma do álbum, que não o mesmo que dizer mais trágica, que nos fala de comportamentos luxuriantes de bacanos de rock (Kid Rock e o palhaço moor dos Creed com Groupies!) com uma malha sonora a condizer à história, uma rockalhada pesada para os Pink Floyd.
No segundo cd temos a maioria dos doces, Hey You, Is There Anybody Out There?, Comfortably Numb, In the Flesh, Run Like Hell.
“Together we stand, divided we fall” são com estas palavras que acaba a primeira faixa que referi, e mais não digo.
Is There Anybody Out There?, pois bem, no início dos anos noventa uma organização de luta contra a Sida usou este tema num anúncio televisivo que me assustou bastante (um indivíduo percorria um corredor do qual, das paredes de borracha ou algo desse tipo, se vislumbravam faces e mãos que tentavam alcançar o sujeito). Esta memória fermentou durante anos até que, fascinado pelo meu desconhecimento sobre autoria do tema que eu associava a um sentimento perturbador de isolamento (Hedgehog's dilemma), descobri os Floyd (história pessoal verídica e sem pessoal à chapada, como no Jerry Springer). Giro é que as emoções na percepção visual do anúncio e dadas pela música são as mesmas que o tema tinha como objectivo transmitir.
Musicalmente o tema mistura, tais como outros temas, samples de séries televisivas ou filmes com voz, mellotron, voz e guitarra clássica criando um ambiente desesperante, soturno e melancólico.
Comfortably Numb escrito inicialmente por Gilmour, acerca de Barrett, foi ajustado por Waters à história. Grande solo, letras que se repartem pelas memórias de Pink e pela acção de um médico de rockeiro pouco escrupuloso….simplesmente um clássico da terceira fase dos Pink Floyd (já explico, num artigo posterior, a carreira dos Floyd), um crowd pleaser (desculpem os constantes anglicismos mas estou a escrever isto à pressa e não tenho paciência para procurar os melhores equivalentes).
In the Flesh, sim, é mais um, este tem uma letra diferente com um discurso líder que tem resultados violentos, baseados na discriminação racial, religiosa, sexual (queers, jews, coons são referidos), no mundo de Pink. A postura de Bob Geldof (sim, o mesmo “ mister Junkie quero salvar África e todos no mundo do descontrolo da globalização”), que interpreta Pink no filme, demonstra bem o efeito hipnotizador que a personagem tem sobre o público. Filme, que já agora, depois de bem ouvido o álbum, merece ser visto….imprescindível para qualquer fã dos Pink Floyd
Run Like Hell é, como diria um amigo meu, malha da grossa. Baixo e guitarra dominam na composição acompanhando a descrição dos pavorosos actos de uma multidão desvairada, incitada por Pink. Lindo, nomeadamente a referência a porrada que se daria ao namorado que quer fazer qualquer coisa com a miúda no banco de trás do carro. DON´T BE NAUGHTY or they are gonna Kill YOU.
Mais info. – o álbum tem a duração de 81:27. Todos os temas são da autoria de Roger Waters, baixista e na altura ditador não eleito dos destinos da banda, excepto Young Lust, Comfortably Numb e Run Like Hell com co-autoria de David Guilmor, guitarrista, e The Trial, com co-autoria de Bob Erzin. Além deste dois membros da banda mencionados, o álbum foi também gravado pelos outros membros oficias da banda, Richard Wright, teclista, e Nick Manson, baterista, para além de outros talentosos músicos de estúdio, que não vale a pena aqui mencionar.
O sucesso do álbum, que conseguiu dar o primeiro número na tabela dos singles em Grã-Bertanha e E.U.A, foi tal que dele foi feito um filme, no qual o fio condutor da acção é contado pela banda sonora, que pouco ou nada difere do LP. Mas pêra ai, há diferenças! When the Tigers Broke Free e What Shall We Do Now? estão ausentes do disco mas não do filme. O primeiro é apenas editado em cd num reedição do The Final Cut de 2004 e o segundo foi riscado dos planos de edição do álbum por torná-lo demasiado longo para o vinil (lembrem-se que só dava para vinte e poucos minutos para cada lado), sendo apenas editado, legalmente, na versão ao vivo gravada durante a tour promocional. O que falta no filme é, quase inexplicavelmente, o Hey You, ainda não sei bem porquê!
Mais…sei lá! O Is There Anybody Out There – The Wall Live 1980-1981, o dito álbum ao vivo, tem todos os temas do The Wall mais o Shall We e um instrumental intitulado The Last Few Bricks, que foi introduzida para permitir que o muro pudesse ser construído todo, separando o público da banda, até o fim da primeira parte do espectáculo (pois é, o espectáculo “teatral”, à falta de melhor termo, que acompanha o concerto é genial, dos melhores de sempre, mas isso é outro artigo).
Prontos, mai nada!!! Na minha opinião a coordenação na transformação das ideias que Waters apresentou à banda (ideias essas que serão a base do The Wall e do The Final Cut, ou seja, dava para fazer dois duplos cds), por parte de Bob Erzin e James Guthrie, foi mais que boa, mas fora do enredo da história muitos dos temas apresentam-se desnudados, sem “gás”/pica, por muitos deles não serem singles nem temas amigáveis para a divulgação radiofónica, o que não quer dizer nada quanto à qualidade da obra.
É calão, não quer ler, então comece por aqui a leitura
Em suma, álbum vale como um todo, como todo o álbum sinfónico, como, para mim, todos deviam valer. Tem um enredo cada vez mais interessante para o mundo em que vivemos (fuga aos problemas, a minha teoria da avestruz egoísta, isolamento social), é coerente (tempo de duração, estilo musical), sobrevive ao teste do tempo (vai fazer trinta anos em 2009 e mesmo assim continua a vender, a passar na rádio e a cativar novas audiências).
Sai da cabeça do BEAN com um consistente 4/5.
Té lá VIVA AO BACALHAU
P.S. É um dos LPs que Domingos António (pianista português que é, no mínimo, talentoso) mais gosta. Para mim, é um dos meus favoritos, número três no top dos Floyd, os outros terão de esperar para saber. E sim este pianista entra na exclusiva de categoria de pessoas famosas que eu pissei com os meus tenis brancos Adidas tamanho 45.
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