A Reforma Manuelina dos Forais
Nas cortes de 1495, o Venturoso foi confrontando com novos pedidos pela reforma dos forais, aos quais o monarca respondeu prontamente, decidindo formar uma comissão para tal efeito. Esta era constituída inicialmente por Fernão de Pina, cavaleiro da Casa Real, pelos doutores Rui Boto, chanceler-mor do reino, e João Façanha, desembargador, e mais tarde contou com a participação temporária de outros importantes oficiais, como o licenciado Rui da Grã, os desembargadores dos Agravos da Casa da Suplicação Diogo Pinheiro e João Pires das Cubrituras, o arcediago Afonso Madeira, e os doutores Luis Eanes, Juiz dos Feitos, João Cotrim, Braz Neto e Pero Jorge[1].
Complementado e auxiliando o esforço desta comissão, decorreram paralelamente durante o reinado de D. Manuel I importantes acções reformadoras da administração central, tais como a publicação do Regimento dos pesos, em 1502, do Regimento dos ofícios vilas e lugares do reino, em 1504, do Regimento das capelas, hospitais, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa, em 1509, do Regimento das casas da Guiné e da Índia, em 1512, dos Artigos das Sisas, em 1512, do Regimento dos contadores das comarcas, e 1514, do Regimento e Ordenações da fazenda, em 1516, das Ordenações da Índia, em 1520, e das Ordenações Manuelinas, acabadas de publicar na integra em 1521[2].
A actividade do referido grupo de trabalho inicia-se pela apresentação em Saragoça dos resultados das determinações de vinte e dois desembargadores régios, provenientes da Casa da Suplicação e da Casa do Cível, encarregados de analisar os forais e apresentar as dúvidas que estes documentos poderiam suscitar[3]. Consequentemente definiu-se a metodologia a aplicar, ordenando-se primeiro, em 1497, o levantamento de todas as rendas e direitos reais cobrados por forais, escrituras, títulos e costume em todas as povoações do reino, pelos funcionários municipais, homens bons do concelho e alcaides, que teriam de reportar os resultados à comissão de reforma dos forais[4]. Em 1506 iniciaram-se as inquirições levadas a cabo por Fernão de Pina em vários concelhos do reino, que só não se prolongaram a todo o território devido ao gasto temporal desta tarefa e à sua delegação parcial pelo monarca aos responsáveis dos lugares[5].
Terminando esta recolha de informações sobre um concelho, e ultrapassados os diferendos entre o direito local e do reino, o trabalho de Fernão de Pina era complementado pelos pareceres jurídicos de Rui Boto e de Rui Grã, passando-se então à fase final, a elaboração da nova carta de foral[6]. O trabalho da comissão era então distribuído entre calígrafos e iluminadores que Fernão de Pina, como escrivão da chancelaria, coordenava[7].
O “foral novo” era então ricamente decorado, representando-se os símbolos reais e pessoais do monarca[8], sendo a ornamentação e os materiais aplicados distintos, alternado com o dinheiro que os concelhos queriam gastar com o diploma[9]. Era feitas duas cópias de cada foral, uma para o concelho e outra para a chancelaria régia, ou três, no caso do município pertencer a um senhorio[10]. A assinatura de Fernão de Pina e do rei na última página de todos estes diplomas selava o fim do seu processo produtivo, entrando o documento em funções a partir do momento em que era entregue ao concelho e era publicado pelo poder régio[11].
Com este longo e difícil processo de vinte e cinco anos, levado a cabo pelos letrados de D. Manuel I, este monarca conseguiu satisfazer as exigências populares, dando aos concelhos forais desprovidos dos antigos privilégios e liberdades locais, reduzindo-os assim “a pouco mais do que pautas aduaneiras a pagar pelos municípios”[12]. O rei com esta uniformização da legislação municipal em todo o país, centralizou ainda mais o seu poder e obteve dividendos maiores e regulares para a expansão ultramarina[13].
[2] Cf. Idem, ibidem, pp.55-56, nota 67. explicar coisos ver esta p. e outros aspcetos def de moedas.
[3] Cf. Francisco Ribeiro da Silva, ob.cit., p.230.
[4] Cf. Carlos Margaça Veiga, ob.cit., p.50.
[5] Cf. Idem, ibidem, p.51. Os juízes, vereadores e procuradores de algumas povoações foram obrigados a deslocarem-se até ao referido funcionário régio e comprovarem com “Tombos, Foraes, ou Escripturas” os direitos régios existentes a nível local (Carlos Margaça Veiga, ob.cit., p.51).
[6] Cf. Idem, ibidem, p.52.
[8] Mais propriamente o escudo nacional, a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo. Esta grande preocupação na iluminação do diploma evidencia o seu carácter de propaganda régia, difundido a imagem de um soberano unificador e centralizador (Carlos Margaça Veiga, ob.cit., p.56).
[9] Cf. Carlos Margaça Veiga, ob.cit., pp.52-53. O pagamento do foral recaia na sua totalidade nos concelhos ou era divido pela metade com o senhor caso o houvesse.
[10] Cf. Idem, ibidem, p.53. Apesar destas estipulações, sabe-se que nos forais de concelhos pertencentes a senhorios em muitos casos não foi produzida um terceiro exemplar para o poder senhorial.
[12] Cf. Carlos Margaça Veiga, ob.cit., p.56.
[13] Cf. Idem, ibidem, p.56.
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