segunda-feira, 11 de julho de 2011

Perseu - O Mito e o filme Clash of the Titans (1981) - Parte II

Após a travessia do rio Styx, na barca de um esqueleto com um papel semelhante a Caronte[1], o herói, e três soldados de Joppa, chegam ao templo no qual habita Medusa[2]. Antes de entrarem no templo são atacados por um cão de guarda de duas cabeças, Dioskilos[3], que mata um dos soldados. Dentro e fora do templo o espectador é confrontado com as estátuas de pedra de homens que ousaram olhar para Medusa. No confronto do herói com este monstro[4] morrem os dois restantes soldados e Perseu, recordando-se das palavras que lhe tinham sido ditas aquando do recebimento das suas armas de origem divina, usa o escudo como espelho para não olhar para Medusa, e corta-lhe a cabeça aquando da aproximação desta[5]. Antes de chegar regressar Joppa, Perseu e os seus companheiros são atacados por Calibos, que ao aperceber-se do conteúdo da sacola do herói a perfura, deixando cair o sangue no chão que origina três escorpiões[6] que atacam o herói, resultando assim na morte de alguns amigos do herói e, também, nesta luta da morte de Calibos.

Perseu recupera Pégaso, graças à intervenção do mocho que o vai resgatar ao covil de Calibos, e desloca-se para salvar Andrômeda. À beira-mar estão todos a observar a jovem princesa agrilhoada a uma pedra, aguardando a chegada do monstro marinho. Quando este chega aparece Perseu no seu cavalo alado preparado para o enfrentar, mas ambos caem no mar. Nadando para a costa, Perseu exibe a cabeça da Górgona, que lhe tinha sido trazida pelo mocho, ao monstro, transformando-o assim em pedra[7].
Com o fim da ameaça o espectador observa o mundo dos deuses, o Olimpo[8], onde se reflecte sobre a vitória do herói com Zeus a decidir imortalizar Perseu, Andrômeda, Pégaso e Cassiopeia com a criação de constelações no céu[9].

Para além do que foi escrito, ainda há um certo número de aspectos do filme que não correspondem ao mito, como: a não referência ao oráculo que informou Acrísio da sua morte às mãos do seu neto, o que o levou a prender a sua filha Dánae numa câmara de bronze para que ela não tivesse filhos (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.1). Como Acrisio é morto por Zeus não o vemos no filme a ser morto involuntariamente com um disco por Perseu (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.4). Também nada se diz sobre a concepção de Perseu, da artimanha de Zeus ao se transformar em chuva de ouro e passar por uma fenda da câmara (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.1; Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 663-705; Píndaro, Ode Pítica, capitulo XII, 17-18). Não há apoio por parte de Atena e de Hermes ao herói, como no mito (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.1), o que explica a ausência de sacrifícios em honra de Atena, Hermes e Zeus depois da derrota do monstro marinho (Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 706-752). Não se refere que a cabeça de Medusa foi oferecida a Atena, após a derrota do monstro marinho, e que esta colocou-a no seu escudo, e que antes deste acto Perseu a usou para derrotar rivais na Etiópia e em Sérifo (Píndaro, Ode Pítica, capitulo XII, 17-18; Higino, Fábulas, capitulo LXIV- Andrômeda; Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.3), pelo contrário, visualiza-se Perseu no filme a arremessar a cabeça para o mar.
Para finalizar esta listagem, tem de se escrever sobre o amor entre Perseu e Andrômeda, que no filme ocorre antes do sacrifício da princesa ao Kraken, com o fim do encantamento, e no mito o primeiro contacto e o despertar da paixão entre ambos é resultado de um acaso da viagem de Perseu de volta a Sérifo.

Para terminar esta análise, do mito e do filme em questão, é necessário ter em conta que os episódios da morte de Medusa e da salvação de Andrômeda são independentes no mito, um não é condição necessária do outro, como no filme, onde são condensados. Além disso, o título do filme fala-nos de Titãs, talvez com o propósito de incentivar o consumo do filme, justificando o uso do termo Titãs como referindo-se a Medusa e ao Kraken[10].


[1] Era o barqueiro que no mundo inferior transportava os recém-mortos através do rio Aqueronte. No filme a referida personagem tem uma aparência semelhante à popular figura da morte no mundo cristão, usando um roube negro que não oculta apenas as mãos e a cara.
[2] Na mitologia ela habita na zona da Líbia (Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 706-752).
[3] Este animal parece ser inspirado por uma criatura conhecida do grande público no ciclo de Herácles, o cão dos infernos Cérbero, que guardava as portas do reino subterrâneo dos mortos.
[4] Esta Medusa é em aparência quase que exclusivamente um réptil, já que o seu cabelo tem serpentes e o seu corpo aparenta ser de uma cobra, fazendo barulho com a sua cauda, como uma cascavel.
[5] No mito, o herói corta a cabeça de Medusa enquanto esta dorme, com Atena a guiar-lhe a mão (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.2), surgindo do interior dela Pégaso e Crisaor (Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 706-752; Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.2), que acordam as suas tias, que vão partir em perseguição de Perseu sem o conseguirem apanhar, isto graças ao seu elmo (Apolodoro, Biblioteca, Livro II, 4.2-4.3).
[6] Mais uma vez o mito original foi adaptado, Ovídio (Metamorfoses, Livro IV, 604-662), fala de algum sangue de Medusa que caiu no deserto, aquando da passagem de Perseu, criando serpentes mortais.
[7] No mito em questão, o monstro marinho é derrotado pelo herói através da espada deste e pelo facto do monstro atacar a sombra de Perseu, que se encontrava no ar (Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 604-662). A cabeça da Górgona não é utilizada no mito, é, alias, pousada em algas, em terra, transformando-as em corais (Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 706-752).
[8] Em todo o filme vai-se saltando do mundo dos mortais para o mundo dos deuses.
[9] Curioso observar que Heródoto (Histórias, Livro VII, 61) justifica o nome dos persas com a ligação que estes teriam na origem com o filho de Perseu e Andrômeda, Perses.
[10] As bruxas no filme dizem mesmo “Um titã contra um Titã”.

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