sábado, 2 de julho de 2011

Crónica de Almançor, Sultão de Marrocos (1578-1603) Parte II


3 - Fontes e Método do Autor

Da leitura do longo texto que compõem esta fonte compreende-se que as informações por António de Saldanha recolhidas e apresentadas são resultado de um esforço de selecção “rigorosa e cuidada dos dados e eventos com a maior relevância política”[1] que ele teria aceso, pelo contacto que estabelecia com membros da comunidade de origem portuguesa, os elches, que com os seus altos cargos administrativos e militares tinham a informações que não teria sido fácil de obter, transmitidas tanto por via oral como por escrita, caso das cartas[2]. Exemplos disso são as seguintes referências: capitulo VI, p.19, “Fez el-rei todos os ofícios aquele dia havendo engeitado o que Mamim Barbarrão me contou em Marrocos muitas vezes com grandes demonstrações de sentimento”, capitulo XXVI, p.69, “Dizem que Brahen Sufiane”, capitulo LXIX p.199, “Foi Pero Galego (…) me escreveu esta carta”, e no capitulo XXXIX, p.111, “Esta história me contou depois certa pessoa a quem o mesmo Brahen Sufiane a contou ainda com grande pesar e dor da morte destes moços”.
O lugar de destaque na comunidade marroquina de origem portuguesa e o impacto que o autor prisioneiro teve nos altos círculos governamentais permitiu-lhe contacto constante, também, com os mais influentes e poderosos indivíduos da sociedade em análise, o que justifica os seus conhecimentos cheios de detalhes, obtidos em círculos restritos sobre questões em discussão pela elite governativa.

Para além da informação obtida por terceiros é necessário evidenciar a informação que advêm da vivência do próprio autor, da sua experiência própria, muito produto da sua mobilidade no espaço, e pelo contacto com outros portugueses fora de Marrocos, através de cartas, que o informavam do panorama geral, permitido assim enquadrar os acontecimentos locais num escala internacional. Pelo texto da crónica observa-se os vários actores internacionais, como a rainha inglesa Isabel I, Filipe II, D. António, Prior do Crato, estabelecerem contactos com o reino do Almançor, tentando, por exemplo, recolher apoios para iniciar uma luta independentista, para tratados de amizade e comércio, sendo referenciados na crónica factos relevantes da história do período, como o ataque da Armada Invencível a Inglaterra[3], ou a entrega de Arzila ao sultão de Marrocos.[4]

Quanto ao recurso a outros autores, na obra em questão, Saldanha faz algumas referências, como a Relacíon de los Reinos de Marruecos, Fez y Tarudante, de 1586, de Diego de Torre, quando escreve “Na «História dos Xarifes»”[5], a Dell'Unione del Regno deo Portogallo alla Corona de Castiglia, de 1585, de Jerónimo de Fracnchi Conestaggio, e a Jornada de Africa, de 1607, de Jerónimo de Mendonça, ambas presentes quando afirma “onde acabou el-rei D. Sebastião e os pretendentes Maluco e Mahamet, Fraque e Mendonça escrevem (com algûa paxão)”[6]. Estas três referências são exemplo único na fonte e foram provavelmente consultadas devido à necessidade de completar buracos de informação na descrição dos momentos imediatamente posteriores a 1578, logo anteriores à presença do autor no território marroquino.

A existência de um método crítico por parte do autor parece não ser enunciado nos, escassos, momentos de reflexão e considerações pessoais do texto, isto possivelmente foi causado pela, já referida, necessidade de apresentar um texto aos conjurados ter roubado tempo a aspectos que para o autor eram desnecessários, tendo em conta o objectivo primordial do texto[7].
António de Saldanha crê que o que nos relata é o mais correcto, o mais preciso e objectivo, já que as suas fontes são compostas pela sua observação empírica, homens de confiança com quem ele interagiu durante longos períodos no cativeiro, e as cartas de familiares.

Um aspecto valorativo da crónica é o seu amplo número de referências geográficas, que se devem à necessidade de compreender as dificuldades e vantagens logísticas e defensivas do exército marroquino, e para informar o leitor do local onde ocorreu a acção. Entre vários exemplos deste tipo são nomeados alguns: “Menilla”[8], cidade cujo nome é Melilla, ocupada pelos espanhóis no Norte de Africa; “Montes Atlantes”[9] referindo-se às montanhas do Atlas; “Duquela e Temsena”[10], o primeiro refere-se à região costeira do de Marrocos, entre os rios Um al-Rabi e Tensift, e o segundo é o nome de uma província a norte de Duquela[11]; “Tedula”[12], é a transcrição portuguesa de Tadla, uma cidade situada entre Marraquexe e Fez[13]; “Casa Branca”[14] é a tradução portuguesa de Madînat al-Baidâ[15]; “Praia de Sús Remoto”[16] é um porto localizada a sul de Agadir; “Janqueta”[17] é o nome dado pelo autor a cidade de Sinnqit; e por fim “Corre este rio à vista de Gago em dozes graus de latitud e em dezasseis de longitud e, contra a opinião de todos os geógrafos, corre do mar oceano pêra dentro e sem nehua noticia donde nace nem onde entra”[18], é uma das descrições do rio Níger.


[1] Cf. António Dias Farinha, “Introdução”, ob. cit., p.XXVII.
[2] Estes indivíduos eram, deste modo em termos práticos, testemunhas dos factos que descreviam ou estavam muito próximas da acção.
[3] Cf. António de Saldanha, ob.cit., Capitulo XLVII, p.137.
[4] Cf. idem, ibidem, Capitulo XLV, p.133.
[5] Cf. idem, ibidem, Capitulo II. p.7.
[6] Cf. idem, ibidem, Capitulo II. p.7.
[7] Vide. Supra post 4 - Os Objectivos da Obra, p.8.
[8] Cf. idem, ibidem, Capitulo II. p.9.
[9] Cf. idem, ibidem, Capitulo III. p.11.
[10] Cf. idem, ibidem, Capitulo III. p.11.
[11] Cf. António Dias Farinha, “Notas do Texto da Crónica”, ob.cit., p.447.
[12] Cf. António de Saldanha, ob.cit., Capitulo XXIV, p.67.
[13] Cf. António Dias Farinha, “Notas do Texto da Crónica”, ob.cit., p.467.
[14] Cf. António de Saldanha, ob.cit., Capitulo XXIV, p.67.
[15] Cf. António Dias Farinha, “Notas do Texto da Crónica”, ob.cit., p.467
[16] Cf. António de Saldanha, ob.cit., Capitulo XXXI, p.87.
[17] Cf. idem, ibidem, Capitulo XXXVI, p.99.
[18] Cf. idem, ibidem, Capitulo LIX, p.171.

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