quarta-feira, 6 de julho de 2011

Crónica de Almançor, Sultão de Marrocos (1578-1603) Parte III


4 - Os Objectivos da Obra

A escritura da fonte em análise ocorreu no período anterior à restauração, para um publico reduzido, os conspirados do 1º de Dezembro. Tendo isto em mente compreende-se porque que o objectivo da obra é ser um relatório detalhado de acontecimentos políticos do Magreb, acompanhado por uma muito rica, dentro do possível, descrição da geografia local, dando informações sobre este território, sobre as suas tensões internas, sobre o seu exército e capacidade bélica a outros conspiradores, de modo a que se pudesse ter noção do uso proveitoso de Marrocos como aliado na eventual luta contra os castelhanos pela independência[1].

É também relevante salientar, que apesar de não ser intencionalmente uma obra apologética e de louvor, António de Saldanha ao relatar os factos políticos faz com que a atenção se centre no Almançor. Mesmo não sendo um subordinado deste monarca e tendo uma agenda muito própria, chega na descrição deste a empregar muitas das características da representação cronistica dos reis do período[2], facto este visível na sequência dos acontecimentos, de forma cronológica, e na descrição do Almançor. Apesar de o autor não partilhar de um apreço especial pelo Sultão como no caso do rei do seu país, consegue ser muitas vezes apologético e apreciativo do valor deste[3].

5 - A Função da História para o Autor

Das várias tipologias de função de História referidas na introdução a que se encaixa melhor talvez seja a história lição, a busca da perpetuação do exemplo positivo, do exemplo que se deve seguir, que deve inspirar outros a fazer o mesmo e melhor. Esta concepção encontra-se presente longo na introdução, aquando o autor reflecte sobre os “sucessos” “digno de memória pera exemplo”[4] não serem transmitidos pelos autores dessas façanhas devido ao infortúnio do naufrágio.

O factor religioso está quase sempre ausente da crónica, desde referências à entidade divina até comentários acerca da religião dos outros, neste caso o Islão[5], por isso, e pelas características da obra[6], não se tem dados suficientes para reflectir acerca da presença de aspectos providencialistas e transcendentais na obra. De qualquer modo, apesar das poucas referências a Deus, é inegável a aparente fé e crença religiosa do autor[7].
A falta de dados precisos leva-nos a salientar que o texto é, em termo práticos, uma simples narração de factos, sendo uma possibilidade a considerar esta também uma função da História para António de Saldanha.

Conclusão

António Saldanha deixou-nos uma fonte importantíssima para o estudo do período da Restauração, de uma perspectiva privilegiada da política internacional do período vista do ponto de vista marroquino, que se encontrava no centro do fervilhar da acção no fim do século XVI e inícios do século XVII. A dificuldade de extrair informação sobre o trabalho historiográfico do autor está intrinsecamente ligada ao propósito do seu trabalho afectar as considerações historiográficas do mesmo, produzindo um relato de sequência cronológica de momentos chave políticos do reinado do Almançor, que não dão espaço a considerações de outros níveis, sendo também difícil reflectir sobre o sentido mais profundo de várias frases e ideias sem entrar no mundo da especulação.


[1] Cf. António Dias Farinha, “Introdução”, ob.cit., pp.XV-XVII.
[2] Refiro-me: à ideia de monarca valoroso e heróico chefe militar, sempre associado à condução e ao seu desempenho de forma justa e honrosa; à necessidade de justificar a sua linhagem, buscando ao passado parentes mais importantes que outros em termos sociais de modo a poderem reclamar e justificar o seu poder; à aplicação da justiça, na qual o rei assume uma posição paternal, defendendo e ajudando os mais fracos, punindo a rebeldia e recompensando os súbditos obedientes e fiéis; e ao bom governo associado a prudência e a piedade.
[3] Só em um momento é que o autor formula um comentário depreciativo ao Sultão, quando este, no capitulo LXIX página 201, condena à morte doze jovens inocentes cristãos como resposta à morte de um dos seus filho por Pêro Galego. O acto é descrito como um “bárbaro castigo pêra quem não tinha nenhûa culpa”.
[4] Cf. António de Saldanha, ob.cit., p.3.
[5] Cf. idem, ibidem, p.XXIX.
[6] Vide. Infra, 4 - Os Objectivos da Obra, p.8.
[7] Casos das seguintes expressões: “já que Deus ordenou que vivesse em tempo de tantos apertos desta monarquia”, “particular mercê de Deus será proporcionada defensão”. Ambas as expressões foram retiradas do capítulo de introdução do autor na página 3.

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