segunda-feira, 6 de junho de 2011

Organização Social da Rodésia

A Rodésia, que ocupava um espaço de cerca de 391 000 km2 [1], e tinha como capital Salisbury[2], era composta, em 1970, por uma população de 230 000 brancos[3] e 4 800 000 negros, havendo um número insignificante de mestiços e de asiáticos[4]. Da população negra é importante salientar a sua divisão étnica, Shona, 80%, e Matabeles, 20%[5].

Nesta sociedade reproduziam-se as desigualdades habituais dos regimes colónias, ou seja, o poder encontrava-se concentrada nas mãos da minoria de origem europeia, que desde de 1923, por decisão dos habitantes brancos da colónia, num referendo, passou a ter uma administração própria, independente do governo central da metrópole[6]. Com esta autonomia criou-se uma forte estrutura legal e burocrática que deu muita força e coesão a este grupo.

Tendo em suas mãos o controlo das, vastas e ricas, plantações, de chã e café, da indústria, da extracção de minérios, e da gerência das exportações da colónia[7], a população branca dominou todos os cargos de funções administrativos e a maioria das posições que requeriam alguma qualificação. Os trabalhos menores, mais sujos e degradantes, mais extenuantes e menos qualificados ficavam para os negros, que trabalhando para os brancos, ocupavam um lugar secundário na sociedade, devido à desigualdade de oportunidades e direitos que prevaleciam neste sistema de “Apartheid”[8]. Apesar de muitos estudiosos não concordarem com a utilização do termo para designar a política de segregação racial aplicada na Rodésia, por esta não ser tão intensa como a da África do Sul, a verdade é que juridicamente e socialmente a descriminação e divisão racial existia.
Tais factos são constatáveis em exemplos variados como: em 1923 a posse de terras era permitida a brancos e negros, sendo que o direito de voto era dado a todos, sem distinção racial, sendo necessário a posse de uma propriedade de valor superior a 150£ e de um rendimento anual superior a 100£[9]. Estes limites eram sinónimo de acesso reduzido a negros, já que a sua grande maioria não se encontrava familiarizado com um sistema capitalista e logo não tinha capacidade para aceder a este nível de vida e usufruir destes direitos. Além do mais, a partir de 1951 os limites referidos aumentaram com o intuito de excluir ainda mais africanos.
O ensino era separado, até ao ensino superior[10], os salários pagos aos negros eram sempre reduzidos[11] mesmo se desempenhassem as mesmas tarefas que os brancos[12], o que explica os altos rendimentos dos fazendeiros brancos, que sendo cerca de 7 000 em 1969 davam emprego a maioritariamente a negros, cerca de 267 300 pessoas[13]. Até 1961 os negros não podiam ter propriedade imobiliária, nem ter a sua habitação legal na cidade, esta era área exclusiva dos brancos[14].
Por fim, a assembleia da colónia e do estado independente sempre contou com um número ínfimo de deputados negros, de dois na década de cinquenta[15] a dessazeis em 1970, oito nomeados pelos chefes tribais e oito eleitos, sendo estes escolhidos num universo reduzido da população negra[16], para uma assembleia com um total de 66 deputados, em que os restantes lugares eram ocupados por brancos.

Como se pode observar a articulação das populações branca e negra era benéfica para os primeiros, facto que explica o eventual aparecimento do movimento de resistência nacional africana no território. As primeiras manifestações de desagrado perante o sistema vigente foram centradas em assuntos pontuais, como a greve dos trabalhadores dos caminhos-de-ferro de 1945, onde se exigiu melhores salários e habitação para os trabalhadores urbanos[17]. Ainda numa fase inicial, e com um impressionante alcance e força, os líderes religiosos tiveram um papel fulcral que atraiu a atenção de um grande número de pessoas[18]. Com os sindicatos de cariz mais popular, como o Reformed Industrial and Comercial Worker´s Union[19], dá-se o passo decisivo na aquisição de experiência para a formação de partidos negros de massas, que apostaram em marchas de protesto e motins como formas de luta.
Destes partidos é indispensável referir o African National Congress of South Rhodesia, de Joshua Nkomo, líder que assume um papel importantíssimo nas estruturas partidárias negras da Rodésia, já que vai fundar novos partidos à medida que estes iam sendo ilegalizados pelo governo, como foi o caso do National Democratic Party[20], usado para exigir melhores salários e escolas e o fim da distinção étnica e escolar na sociedade, e do ZAPU (Zimbabawe African Peoples Union)[21].

É com este último exemplo que se parte para um nível diferente de combate à opressão branca, a oposição violenta. O partido em questão tinha uma facção militar o ZIPRA (Zimbabwe People's Revolutionary Army), que se encontrava sediado na Zâmbia para a sua guerra de guerrilha, sendo assistido pela U.R.S.S.[22] e composto quase exclusivamente pela etnia Matabéle[23]. O ZANU (Zimbabawe African National Union) foi um partido que resultou de uma cisão do ZAPU, em 1963, sendo liderado por Ndabaningi Sithole[24] e Robert Mugabe. Este partido foi um importante na acção de guerrilha, com a sua facção o ZANLA (Zimbabwe African National Liberation Army), a operar a partir de Moçambique, de forma muito eficaz, tendo também apoio da República Popular da China e da população, devido a doutrina maoísta do movimento[25]. Era maioritariamente composto por membros da etnia Shona[26].
A guerra teve forte impacto nos anos setenta, já que o governo de Ian Smith perdeu progressivamente controlo do território com o acesso facilitado das guerrilhas a vastos pontos deste[27], não acabando mesmo assim a luta pacífica africana, que foi encabeçada por Abel Muzorewa, líder do United African National Council[28], o único partido negro legal, pois rejeitava a violência. Este bispo metodista conseguiu, por um curto espaço de tempo, conjuntamente com Sithole, Jeremiah Chirau e Ian Smith governar o país antes da criação do efémero estado do Zimbabwe Rodésia, do qual foi primeiro-ministro[29].

A opção pacífica na resolução dos problemas nacionalistas negros na Rodésia foi apenas viável no início do movimento, pois com o conflito bélico a influência e poder dos chefes das guerrilhas obrigou a que a sua ausência da mesa das negociações não obtivesse da comunidade internacional o reconhecimento devido[30], prolongando ainda mais a guerra.


[1] Cf. João Carlos Rodrigues, Pequena História da Africa Negra, São Paulo, Editora Globo, 1990, p.270.
[2] Renomeada, depois da independência do Zimbabwe, com o nome de Harare.
[3] Cf. Eduardo dos Santos et al.,“Zimbabwe”, in Enciclopédia Verbo Edição Séc. XXI, Vol. 29 Valoni - Zyl, Lisboa/ São Paulo, Editorial Verbo, 2003, colns.1245. Com cerca de ¾ da população a viver nas cidades.
[4] Que se ocupavam principalmente de actividades comerciais.
[5] Cf. João Carlos Rodrigues, ob.cit., p.270.
[6] Cf. Maria Paula da Costa, ob.cit., p.193.
[7] O domínio destas estruturas derivava da criação delas ser colonial, não deixando por isso de participarem negros, nomeadamente numa lógica de trabalho exploratório.
[8] Quer dizer "vida separada" em afrikaans, tem como melhor equivalente na língua portuguesa “segregação racial”. Neste sistema político, adoptado legalmente em 1948 na África do Sul, as populações brancos detinham o poder e os restantes povos eram obrigados a viver separadamente, de acordo com leis que os impediam de se tornarem cidadãos de facto. Exemplos disto são leis como: a lei de proibição de casamentos mistos, a lei de imoralidade, a lei de registo populacional e a lei de áreas de agrupamento.
[9] Cf.“Rhodesia - Mzilikaze to Smith”, ob.cit., subtítulo - The Scramble for Africa.
[10] Cf. Robert Cornevin, Histoire de L’Afrique, Tome III – Colonisation, Déscolonisation, Indépendance, Paris, Pagot, 1975, p.160.
[11] O salário paga na Industria a um branco era, em média anual em 1969, 3 332 $, enquanto que um africano ganhava, pelo mesmo trabalho 476$. No caso do proletariado rural o branco recebia 2 666$ e um negro 147$ (isto segundo os dados de Robert Cornevin, Histoire de L’Afrique, Tome III – Colonisation, Déscolonisation, Indépendance, Paris, Pagot, 1975, p.159).
[12] Vide. Supra. Tabela -  Salários Anuais da Rodésia em 1970, p.17, para que se tenha noção da discrepância de valores.
[13] Cf. Idem, ibidem, p.159.
[14] Cf. Idem, ibidem, p.134.
[15] Cf. Idem, ibidem, p.141.
[16] Cf. Eduardo dos Santos, “Zimbabwe”, in Enciclopédia Verbo - Edição Séc. XXI, Vol. 29 Valoni - Zyl, Lisboa/ São Paulo, Editorial Verbo, 2003, colns.1245.
[17] Cf. Robert Cornevin, ob.cit., p.135.
[18] Cf. Idem, ibidem, p.138.
[19] Cf. Frederick Cooper, Africa Since 1940 – The Past of the Present, New York, CUP, 2006, p.135.
[20] Cf. González Echegary, ob.cit., p.347.
[21] Cf. Robert Cornevin, ob.cit., p.144.
[22] Cf. “Rhodesia - Mzilikaze to Smith”, ob.cit., subtítulo  - Southern Africa Calls the Tune.
[23] Cf. Terence Ranger, ob.cit, p.216.
[24] Cf. Marianne Cornevin, ob.cit., p.212.
[25] Cf. Terence Ranger, ob.cit., p.214,215.
[26] Cf. Idem, ibidem, p.216.
[27] Veja-se o mapa da página 10 e constate-se que a Rodésia a partir de 1975, com a independência de Moçambique, só tem um estado aliado com uma fronteira mínima.
[28] Cf. Frederick Cooper, ob.cit., p.137.
[29] Cf. Idem, ibidem, p.137.
[30] Vide. Maria Paula da Costa, ob.cit., p.192.

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