domingo, 24 de abril de 2011

Le Dieudonnê

O reinado de Luís VII, pai de Filipe II, correspondeu a um período conturbado da história da França. O controlo do monarca sobre o reino estava limitado às áreas circundantes de Paris (a chamada Ilha-de-França), por este motivo Luís VI procurou e conseguiu casar o seu sucessor com a única herdeira do rico ducado da Aquitânia[1], Leonor, anexando-se deste modo as regiões do Poitou, Auvergne, Limousin e Gasconha à coroa.

A fragilidade do poder real neste reinado ficou patente nos conflitos com vários senhores, tanto gerados por contendas feudais (em Orleães e Poitiers), como por questões familiares (caso do Conde de Champagne), e também pela tentativa do poder régio de aumentar a sua influência geográfica (caso de Godofredo V de Anjou), sendo que a consequência deste última confronto foi a perda de Vexin e Gisors.

Juntamente com Conrad III, o rei Luís foi um dos monarcas que participou na segunda cruzada (1145 – 1149), cujo fracasso redundou em dificuldades monetárias e demográficas para a França. A situação do reino agravou-se ainda mais no ano de 1151, com o divórcio do rei com Leonor da Aquitânia, resultante da pressão de bispos e barões, que questionavam a consanguinidade do casal. Em 1152 Leonor viola o direito feudal, casando sem consentimento do rei com o seu rival Henrique, o Plantageneta, Conde de Anjou e mais tarde Duque da Normandia e rei de Inglaterra[2]. Gera-se assim em França um grande espaço territorial (que inclui Anjou, a Aquitânia, a Normandia, o Vexin e a Bretanha) sobre a tutela de Henrique II[3].

As relações de Luís VII com o seu rival plantageneta vão ditar a teia política na qual Filipe Augusto nasce. Com apenas duas filhas, da sua relação com Leonor, o rei francês vai procurar ter um descendente varão casando com Constança de Castela. São consequentemente acordados casamentos são entre os filhos dos monarcas ingleses e as filhas, do segundo casamento, do rei dos franceses com o intuito de unir as duas monarquias, para beneficio dos angevinos. No ano de 1159 Henrique II invade o Languedoc e reclama a suserania de Toulouse em nome de Leonor, o seu poder aumenta no continente, enquanto que Luís perde o apoio da nobreza.

Com o seu terceiro casamento, com Adélia de Champagne, Luís VII obtêm o apoio de uma das casas senhoriais mais importantes de França e um descendente masculino, salvaguardando a sobrevivência do seu reino.

Henrique II é, neste período, indiscutivelmente uma importante figura no contexto da cristandade, juntamente com o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Frederico Barbaruiva. As rivalidades entre estes dois e Luís VII agravam-se com as interferências no poder papal, apoiando conforme os seus interesses o Papa Alexandre III ou o Anti-Papa Victor IV.

A vinte e um de Agosto de 1165 nasce em Gonesse, Ilha-de-França, o tão esperado filho de Luís VII, Filipe Augusto. O seu nascimento foi vivênciado como um autêntico milagre pela família real[4]. Bordonove descreve o momento como o aparecimento de um fôlego de esperança, de um rei justiceiro que enfrentaria o despótico rei britânico.

Em 1169 Henrique II distribui os seus territórios aos seus herdeiros masculinos (Henrique o Jovem, Ricardo e Godofredo), apesar de ainda exercer o poder. Deste modo, Henrique o Jovem, ficou com Inglaterra, Anjou e a Normandia, Ricardo tornou-se Duque da Aquitânia e Godofredo como Duque da Bretanha.
Em 1173, Leonor, afastada da corte do Plantageneta, persuade os seus filhos, Henrique, o Jovem e Ricardo, a revoltarem-se contra o seu pai, sendo também incentivados e apoiados por Luís VII.
Depois de vencida a rebelião, o rei inglês perdoa os filhos e aprisiona Leonor, seguindo-se umas tréguas provisórias entre o rei da França e de Inglaterra, na sequência das quais reafirmou-se a intenção de realizar os casamentos previamente acordados.

A um de Novembro de 1179 Luís VII fez sagrar o seu filho Filipe II, de quinze anos, em Reims. O Arcebispo a presidir a cerimónia foi Guilherme das Mãos Brancas, irmão da Rainha Adélia de Champagne, estando também presentes outros grandes senhores, como o Duque da Normandia (Henrique, O Jovem), o Conde de Blois e de Chartres, o Conde de Hainaut, e os arcebispos de Sens, Bourges e Tours. Como principais ausências destacam-se as de Filipe da Alsácia, Conde da Flandres, e a do rei inglês, como vassalo pelos seus feudos na França[5].
Filipe seria o último monarca francês a ser coroado durante a vida do seu predecessor, acabando com esta tradição dos primeiros reis capetos.


No início do seu reinado, Filipe é alvo da influência de sua mãe e dos irmãos desta (Guilherme das Mãos Brancas, Henrique I de Champagne, Tibaldo V de Chartre e Blois e Étienne de Sancerre).
Tendo conhecimento das rivalidades entre o “partido” flamengo e o de Champanhe, Filipe trabalha para se libertar da pressão dos familiares, incentivando o confronto entre as duas facções. Desta feita, o rei faz um acordo com Filipe da Alsácia, Conde da Flandres, no qual aceita desposar Isabel de Hainaut, filha de Balduíno V de Hainaut, facto que lhe proporciona uma ligação com uma princesa de sangue real carolíngio.

A vinte e oito de Abril de 1180 Filipe II casa com Isabel de Hainaut, obtendo Artois como dote. A realização deste matrimónio ocorreu quase clandestinamente, o que gerou protestos por parte da mãe e dos tios do monarca, que reivindicavam que o enlace teria de ser consentido por prelados e barões.
Estes dois últimos acontecimentos reforçaram a posição do jovem rei face às casas senhoriais da Flandres e de Champagne.

A dezoito de Novembro de 1180 morre Luís VII, Filipe II torna-se o único rei da França. O seu poder territorial é inicialmente fraco, estendendo-se do Sena ao Loire, de Senlis a Bruges, com grande parte do reino da França ainda nas mãos de Henrique II.
As primeiras medidas tomadas pelo jovem monarca são morais, nas quais se destacam a proibição a membros da sua entourage em frequentar tavernas, casas de jogo e de prostituição. Outra medida importante foi a expulsão e a apreensão de bens dos judeus, nos domínios da coroa, em 1182, preencheu os mal providos cofres reais com 15 000 marcos.


[1] Este ducado, que gozava de alto nível de autonomia face ao rei de França, possuía uma corte extremamente evoluída em termos administrativos e culturais, tornando-o um senhorio muito apetecido.
[2] Com esta união Luís VII viu-se obrigado a deixar o seu título de Duque da Aquitânia desejando evitar confrontos com Henrique II.
[3] Também conhecido como Império Angevino.
[4] Chamado de Dieudonnê, a dádiva de Deus, pelo milagre do seu nascimento.
[5] Desde a conquista de Guilherme II, Duque da Normandia, do reino de Inglaterra, o rei inglês ficou com o estatuto de vassalo do monarca francês pelas suas possessões continentais.

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