terça-feira, 5 de abril de 2011

Expugnatione Lyxbonensi - Relato Oficial da Conquista de Lisboa (Parte I)

De Expugnatione Lyxbonensi


Esta narração em forma de carta é de todos as descrições da conquista de Lisboa a mais detalhada[1]. Desconhecida do público letrado até 1832, chegou até nós através de um único exemplar[2], cuja análise paleográfica e diplomática permiti-nos aferir que data do período cronológico que abrange a segunda metade século XII e a primeira década do século XIII, ou seja, é coevo à acção que descreve[3].

O Relato da Fonte

Esta epístola inicia-se com o autor a explicar a sua intenção de contar os pormenores da sua viagem na frota cruzada em direcção à Terra Santa.
O autor começa por descrever a diversidade da origem dos cruzados, que se reuniram em Dartmouth, Inglaterra[4]. A partida desta massa humana, de treze mil soldados, para a Palestina realiza-se a vinte e três de Maio de 1147 em cento e sessenta e quatro navios[5].
Após um difícil temporal, os cruzados aportaram nas Astúrias e seguiram junto a costa, abastecendo-se em vários portos da Galiza, até chegarem, a dezasseis de Junho, à cidade do Porto[6]. Neste burgo os cruzados foram reunidos no paço do Bispo pelo próprio, que fez um longo sermão sobre a guerra de cruzada, traduzido nas várias línguas destes guerreiros, solicitando, no fim, em nome do rei português, o envolvimento bélico destes na tomada de Lisboa, em troca de dinheiro e de si como garante[7].
A descrição da viagem da frota até Lisboa é complementada com dados geográficos da costa portuguesa que findam com uma descrição de Lisboa, que reflecte a sua lenda de abundância e a sua diversidade habitacional[8]. A vinte e nove de Junho os principais líderes cruzados reúnem-se com o monarca português[9], que apela à sua cooperação nesta empresa não pelos bens materiais, que segundo o rei não abundavam nas suas terras, mas pela acção religiosa do feito[10]. Findada a reunião, os chefes reuniram-se com os seus grupos e discutiram a colaboração com o D. Afonso I[11], gerando-se algumas tensões[12] que após saradas resultaram num pacto escrito entre as duas partes[13].
Antes de se iniciar o cerco, o Arcebispo de Braga faz um discurso apelando à rendição dos mouros, prometendo que com a entrega da cidade os seus habitantes poderiam manter os seus haveres, as suas vidas e os seus costumes[14]. Com a resposta negativa do ancião mouro[15], os cruzados organizarem-se em três acampamentos à volta da cidade[16] e o cerco iniciou-se a um de Julho.
Durante as dezassete semanas que o cerco se manteve, os cruzados fabricaram várias armas de assédio, entre as quais se contam torres móveis, aríetes, fundas baleares e minas[17]. Edificaram-se também duas igrejas para enterro dos combatentes mortos no lado cristão, servindo os contingentes alemão e anglo-normando[18]. Também durante este período, os cruzados atacaram e conquistaram Almada[19], e interceptaram uma carta dos mouros de Lisboa, apelando ao socorro do seu “rei”, o líder da Taifa de Évora, Ibn Wasin, que se negou pelas pazes que tinha com D. Afonso I[20].
Antes do ataque final à cidade é proferido, após uma missa campal, um discurso de exortação à conquista da praça por um clérigo “franco”, que se faz acompanhar pela relíquia do Santo Lanho[21].
A fome e a inevitabilidade da derrota militar dos mouros trouxeram a mediação e a sua natural rendição[22]. Consequentemente, organizou-se a entrada solene dos vencedores na cidade, dirigida pelo arcebispo e pelos bispos, que levavam a bandeira da Cruz, cantando o Te Deum laudamus, sendo seguidos do rei e dos chefes cruzados, com alguns dos seus homens[23]. Transversal a esta entrada realiza-se outra, protagonizada por alguns soldados flamengos e colonienses, que não esperado pela divisão do saque, decidiram pilhar a cidade, matando e violando quem se lhe antepusesse no caminho[24].
Com a conquista da urbe, Palmela é abandonada pelos mouros, Sintra entregue ao rei português, e a sede episcopal de Lisboa é restaurada, a um de Novembro, com uma cerimónia de purificação da mesquita maior de Lisboa, levada a cabo por João Peculiar e os seus quatro bispos sufragâneos[25], sagrando-se também o seu novo bispo, D. Gilberto de Hastings, um cruzado normando[26].
A obra termina com uma reflexão sobre a conquista, descrevendo-se cenários de destruição da urbe e dos seus arredores[27].


[1] Entre outras fontes deste feito bélico destacam-se as fontes presenciais dos cruzados germânicos Arnulfo, Vinando e Duodechino, a Notícia da fundação do mosteiro de S. Vicente de Fora, os Anais de Afonso Henriques e a Gesta deste mesmo rei.
[2] Cf. Ruy de Azevedo, “A Carta ou Memória do Cruzado Inglês R. para Osberto de Bawdsey Sobre a Conquista de Lisboa em 1147”, in Separata da Revista Portuguesa de História, Coimbra, Tomo VII, 1957, p.5.
[3] Cf. Maria João Violente Branco, “Introdução”, in A Conquista de Lisboa aos Mouros - Relato de Um Cruzado, Edição, Tradução e Notas de Aires Nascimento, Lisboa, Veja Editora, 2001, p.9.
[4] Cf. A Conquista de Lisboa aos Mouros, p.55. Contam-se entre as várias nações presentes ingleses e normandos, liderados por Herveu de Glanville, Simão de Dover e André e Sahério de Archelles, flamengos e bolonheses, liderados por Cristiano de Gristelles, e alemães, liderados por Arnaldo de Aarscht.
[5] Todos os navios tinham um sacerdote e um conjunto de regras importante para manter a disciplina e o espírito religioso, provavelmente inspirados por S. Bernardo de Claraval.
[6] Cf. Idem, ibidem, pp.59-61.
[7] Cf. Idem, ibidem, pp.64 e 73. Viajam também na frota o Arcebispo de Braga, D. João Peculiar, e os bispos do Porto, D. Pedro Pitões, de Lamego, D. Mendo, e de Viseu, D. Odório (Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. I - Estado, Pátria e Nação, 3º Edição, Lisboa, Verbo, 1979, p.98).
[8] Cf. Idem, ibidem, pp.73-75.
[9] Cf. Idem, ibidem, p.81.
[10] Cf. Idem, ibidem, p.83.
[11] Cf. Idem, ibidem, pp.83-85.
[12] Cf. Idem, ibidem, pp.85-89. Que serão no caso dos ingleses saradas através do brilhante discurso de Herveu de Glanville.
[13] Cf. Idem, ibidem, pp.91-93. No qual os cruzados tinham o direito a saquear a terra, guardando os bens e pessoas capturadas, que podiam ser trocadas por resgate; o direito a ficar com as terras conquistadas, nas quais o rei apenas manteria o direito de apelação; e a isenção do pagamento de portagem para os despojos da guerra.
[14] Cf. Idem, ibidem, pp.93-97.
[15] Cf. Idem, ibidem, pp.97-99.
[16] Os alemães e os flamengos ficaram a oriente e os ingleses e normandos a ocidente da cidade (A Conquista de Lisboa aos Mouros, pp.85 e 103).
[17] Cf. Idem, ibidem, pp.107 e 109. É curioso referir que o autor do relato descreve sempre as armas construídas pelo seu grupo, o anglo-normando, como as únicas que obtiveram sucesso no cerco.
[18] Cf.. Idem, ibidem, p.107.
[19] Cf. Idem, ibidem, p.117.
[20] Cf. Idem, ibidem, pp.109-111.
[21] Cf. Idem, ibidem, pp.117.
[22] Cf. Idem, ibidem, pp.131. As condições dos vencidos resumem-se à troca dos seus bens pela sua vida.
[23] Cf. Idem, ibidem, pp.139.
[24] Cf. Idem, ibidem, pp.139. À semelhança da descrição do sucesso das armas de assédio, os perpretores desta entrada não oficial são sempre pertencentes a outras nações que não a do autor.
[25] Vide. Infra p.4, nota 9.
[26] Cf. Idem, ibidem, pp.141-143.
[27] Cf. Idem, ibidem, pp.143-147.

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