Deves em quando aparecem-nos umas coisas bizarras quando procuramos nos documentos informações úteis para teses e trabalhos de seminários, que afinal não são tão bizarras já que no final de contas a ovelha negra do rebanho por vezes não é tão diferente do resto das sua irmãs de cor alva. O caso que aqui trago refere-se as tensas relações entre o bispado de Silves e a ordem militar de Santiago no inicio do século XIV. A paz vivida entre estas duas entidades quebra-se em 1315, depois de trinta anos vividos de forma “simpática”, pelo novo bispo D. João Eanes. Criatura esta que é acusada pelo mestre da ordem santiaguista, D. Lourenço Anes, de várias práticas incorrectas e mesmo indecentes que totalizam dezasseis queixas, das quais vou citar algumas: freires de Tavira, ao serviço do rei, foram, “non seendo amoestado, nem citados, nem ouvidos”, excomungados pelo bispo, o que não era admissível já que estes eram de tal modo “privilligiados que nenhum arcebispo nem bispo nom possam poer sentenças descomunhoens”; um mandado de pronunciamento contra o mestre da Ordem foi entregue pelo bispo ao freire Pedro Domingos, prior da igreja de Santa Maria de Tavira, que se ao recusar a faze-lo acabou excomungado pelo prelado, sendo também por este mandado “deitar hum varaço aa garganta e que o trouxesse a redor da igreja”; acusa-se o bispo de usar “muitas maas pallavrase muitos doestos e fazendo nos (à Ordem) muitos viltamentos em público e muitas ameeças”; acusa-se o bispo de excomungar Afonso Eanes, freire da Ordem, não tendo este chegado a ser “amoestado, nem citado, nem ouvido”, e de o ameaçar várias vezes, furtando-lhe “huum cavalo em sellado e em frreado e hûa ascuas que valia todo cento e cinquoenta livras”; durante uma convocatória para a realização de um sínodo da diocese, três freires de Santiago, Afonso Eanes, Pedro Domingues e Ramiro Dias, priores de Loulé, Faro e Tavira respectivamente, envolveram-se numa azeda troca de palavras com apoiantes do bispo, tendo Afonso Eanes sido excomungado pelo bispo três vezes ao tentar aclamar ambas as partes, decidindo depois apresentar queixa da situação a um tabelião, facto que provocou a ira de D. João Eanes que decidiu excomungar os três piores santiaguistas; o bispo ordena que “nom sayam do bispado a nenhûa parte que ajam d'adubar ou de aderençar algûas cousas necessárias em cas de nosso senhor el Rey ou conosco sem nossa licença”, medida esta que é descrita como “mal querença”, pretendendo D. João Eanes obter assim dos freires doze soldos por licença; o bispo castigou João Peres, um clérigo raçoeiro da igreja de Tavira, devido a algo que este lhe tinha dito durante a confissão, mandando-o “trazer com huum baraço na garganta e descalço dos pees per tres vezes andando arredor da igreja”; perante o caso anterior Pedro Domingues, prior da igreja de Tavira, contestou o acto e acabou excomungado pelo mesmo prelado, que mais tarde o absolveu quando este aceitou se humilhar submetendo-se ao mesmo castigo infligido a João Peres; D. Vasco Gonçalves, arcediago de Silves, descrito como “muito boom homem de bom logo e muy letrado”, aconselhava o bispo de Silves a não cometer actos como os citados neste documento, acabou sendo humilhado publicamente e agredido por este; Martim, escudeiro de Tavira, foi agravado pelo bispo, sendo só absolvido por este após o pagamento da quantia de cem libras; o bispo agarrou pelos cabelos de Francisco Peres, clérigo raçoeiro da igreja de Faro, e deu-lhe “muitos couces e muitas punhadas”, despindo-o e dando-lhe “tantos açoutes que por nove dias non se pode levantar”, sendo depois ainda colocado numa cova; D. Martim Rodrigues, tesoureiro de Silves, convidado a comer em Penina num banquete do bispo foi excomungado sete vezes num espaço de uma hora por este, sem motivo aparente.
Como se observa este bispo dava espectáculo, se ao menos assembleia fosse tão divertida como a tourada, ou como a de muitos países asiáticos (suspiro!)
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