segunda-feira, 14 de junho de 2010

Os Cristãos-Novos


A Criação


A 31 de Março de 1492 os reis católicos de Castela e Aragão Fernando e Isabel ordenaram a expulsão de todos os judeus do seu território num prazo de quatro meses, sob a pena de morte e confisco de bens. Recebendo inúmeras propostas D. João II decide permitir a entrada dos judeus em fuga em Portugal, sob determinadas condições, levando a entrada de 120000 indivíduos, dos quais apenas 600 famílias se puderam fixar no território nacional, com os restantes a ser escravizados ou expulsos.


O descontentamento da população judaica portuguesa, que antes da fuga de Espanha era de 75000 indivíduos, e da população cristã, em conjunto com a miséria e peste trazida pelos judeus em fuga causou grande mau estar na sociedade portuguesa.


Ao fim do tempo limite, determinado por D. João II, para a estadia temporária em Portugal dos judeus espanhóis, o rei passa a dispor deles como quiser, o que originou situações de abuso.


Com o início do reinado de D. Manuel I a liberdade é restaurada aos judeus, mas o casamento do rei com D. Isabel, filha dos reis católicos Fernando e Isabel, altera a situação. De modo a que se pudesse realizar casamento, a princesa espanhola exigiu ao futuro noivo a expulsão de todos os judeus e mouros do território nacional antes da sua chegada ao reino. Em seguimento desta exigência, a 24 de Dezembro de 1496, D. Manuel I decreta que a saída de destas minorias religiosas se realize num prazo de dez meses. A saída da população moura realiza-se sem problemas mas a saída judaica é dificultada, pela má vontade de D. Manuel I. Segue-se a estes episódios tentativas de conversão não forçada, imediatamente seguidos por uma massiva conversão da comunidade judaica. Este estratagema de D. Manuel I fez com que a exigência da noiva espanhola fosse respeitada e não se perdessem homens nem capitais.[1]


É com a conversão, maioritariamente forçada[2], destes judeus que se passa a empregar o termo cristão-novo na sociedade portuguesa para definir os conversos, termo este que só cairá em desuso com no tempo do Marquês de Pombal.


O Cripto-Judaísmo


Esperando que a aparência do cristão-novo se adapta-se a cristandade D. Manuel I estabelece que ninguém possa inquirir sobre os hábitos dos conversos durante vinte anos, até 1518, sendo mais tarde prolongada até 1534.


Apesar de sinais de integração judaica, como a substituição do nome de próprio e de família por nomes cristãos[3], do casamento com cristãos-velhos[4] e da comparência nas cerimónias de culto cristãs[5], as práticas judaicas continuaram a existir em segredo.


A transmissão das práticas judaicas nas casas dos conversos era feito via oral, tendo as mulheres um papel fundamental. O Cripto-judeu ou marrano[6] caracterizava-se pela prática dos jejuns sagrados do judaísmo, na recitação de orações como a Shelma Israel ou os Salmos sem Glória Final, na crença da chegada do Messias ou pelo simples facto de se afirmar de descendência judaica.[7]


De qualquer modo, até a criação da Inquisição no território nacional em1536, o cristão-novo, devido ao seu novo estatuto, não estava limitado, como estivará enquanto judeu, no acesso a cargos administrativos, a nível municipal e central, à universidade, à vida eclesiástica, à entrada na média e pequena nobreza, à cavalaria das ordens militares e ao direito de vizinhança e de cidadania.


Muitas das actividade ocupadas pelo cristão-novo são quase idênticas aquelas ocupadas pelos não conversos, ou seja, actividades ligadas ao artesanato, ao pequeno e grande comércio.[8]


A hipocrisia dos recém conversos irritou o povo, que continuou a atribuir-lhes os mesmos malefícios que tinha dado aos não conversos.[9] As perseguições aumentarem, instigadas muitas vezes por membros do clero, como no caso do saque aos conversos ocorrido na cidade de Lisboa a 19 de Abril de 1506, instigado por dois frades que deixou a cidade num rebuliço durante dias.

A acção popular contra os conversos foi provocada por certos grupos sociais, talvez estes se sentissem ameaçados com as liberdades concedidas pelo estatuto de cristão aos conversos. Será o statu quo está ameaçado e que era necessário por um “travão” a marcha vitoriosa dos recém conversos?
 

A Inquisição

 
De qualquer modo, de forma a controlar este problema emergente de perseguição aos conversos D. João III decide pedir ao papado a Inquisição, mas só a obtém de modo satisfatório em 1547, passado quase dezasseis anos após o pedido inicial.


Esta demora deveu-se a um conflito entre o rei e os três papas que passaram pelo Vaticano nesse período, que não quiseram criar uma Inquisição segundo os desígnios do rei, ou seja, permitindo um controlo maior por parte do estado português.


Com a inquisição a funcionar os recém-conversos passam a ser alvo de perseguição por crimes de heresia. Este tribunal trata de variados crimes para além de heresia, como o adultério, bigamia, violação de monjas, assassínio, sodomia, fabrico de moeda falsa, apostasia, entre outros.


A obtenção da confissão dos réus envolvia a pratica de tortura, resultando em dois tipos de sentenças de castigos, os reconciliados, aqueles que admitiam os seus delitos e se arrependiam, e os relaxados, “impenitentes ou relapsos”.[10] Dos vários castigos praticados notabilizou-se a morte na fogueira nos autos de fé públicos


A perseguição da Inquisição não envolveu só os cristãos-novos mas também os Cristãos-velhos, que se tinham tornado delinquentes.


A acção repressiva deste tribunal criou receio entre a população, levando mesmo a fuga do território nacional de famílias de conversos para as colónias em Africa e no Indico, para países da Europa central, para a Itália, e mesmo para a zona da Ásia Menor.


Com a acção da Inquisição Portugal ficou a salvo das guerras religiosas que devastaram a Europa mas ao mesmo tempo terá perdido muitos indivíduos competentes em várias áreas do saber de ascendência judaica, terá valido a pena ter-se perdido tão brilhantes mentes?

[1] Cf. António José Saraiva, “Cristãos-Novos”, Dicionário da História de Portugal. Direcção de Joel Serrão, Vol. I A-D, [s.l.], Iniciativas Editoriais, 1971, pp.746-749.isHistória
[2] Não é demais salientar que há vários registos que demonstram o horror vivido pelos judeus na conversão forçada, como, por exemplo, os vários casos de assassínio dos filhos pelos próprios pais, seguido do seu suicídio para o escapar a conversão.
[3] Ao contrário do que é perpetuado no senso comum, os nomes cristãos adquiridos pelos judeus não estão relacionados com nomes de árvores de fruto, mas sim com os nomes de família dos padrinhos de baptismo, que muitas vezes era de ascendência nobre. Sobre este assunto aconselha-se a leitura de António Carlos Carvalho, Os Judeus no Desterro de Portugal, Lisboa, Quetzal, 1999, pp.11-19.
[4] Termo usado para designar os cristãos que sempre o foram, que não se converteram.
[5] Cf. João Lúcio de Azevedo, ob. cit, p.57.
[6] Termos usados para definir um converso que pratica a sua antiga religião.
[7] Cf. Maria José Ferro Tavares, “Cristãos -Novos”, Dicionário de História Religiosa de Portugal. Direcção de Carlos Moreira de Azevedo, Vol. II - C-I, Lisboa, Circulo de Leitores, 2001, p.27.
[8] Vide supre, parte 1.2.4 - Economia Judaica, p.7
[9] Ou seja a atribuição de vários males, como epidemias, crises económicas, más colheitas, entre outras.
[10] Cf. Pe Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, 2ª Edição revista e actualizada, Lisboa, Europa-America, 2001, p.135

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