2.3. Com os
Concelhos
A Ordem de Santiago como um grande poder senhorial que era,
tentou várias vezes aumentar ainda mais a sua riqueza, recorrendo por vezes a
estratégias menos legítimas, como a usurpação de direitos e privilégios aos
concelhos. Este abuso de poder e a má gestão da Ordem foram as principais
causas dos conflitos gerados com os municípios nos documentos analisados.
O primeiro exemplo desta tipologia de contenda, provém de
uma queixa realizada nas cortes de Lisboa de 1381, no reinado de D. Fernando.
Nela, o povo lamuriava-se que os mestres das Ordens Militares, e outros grandes
senhores, davam o cargo de coudel a cavaleiros, peões e a veedores das
quantias, tornando-os em grandes fidalgos que “dapnam a terra e pooem huûns em quantia que nom ham E escusam outros
que a ham” sendo que “os nossos Jujzes
nom housam hj a tornar porque som grandes homeens”[1]. Contra
estes abusos, os povos dos concelhos pediam ao rei que estes “coudees e aquantiadores” fossem
escolhidos entre os “cidadaõs de cada huû
logar como ssenpre foy” como “na nosa
ordjnhaçom he conteudo”, rogo que foi acedido pelo monarca[2].
Pouco depois da guerra com Castela, que se seguiu ao
interregno de 1383-1385, a chancelaria de D. João I emite um diploma no qual se
decide sobre uma contenda entre a Ordem e o concelho de Ferreira do Alentejo.
Fora anteriormente determinado pelo rei que o anadél e os besteiros do conto
deste concelho “nom pagassem em fintas
nem em talhas pedidos nem emprestidos nem em outros nemhuûs encarregos que per
nos nem per os concelhos onde elles viuerem e morarem seiam lançados também
pêra refazimento de muros como doutras quaaesquer cousas que fosem”[3]. A Ordem
de Santiago é acusada por estes homens de os “costrangueer que paguem aduas e Refazimemtos dos muros desa ujila e em
outros emcarregos dese comcelho”, violando-se assim os seus privilégios[4]. A Ordem
justifica esta postura alegado a comunicação desta situação ao rei e a sua
aprovação, facto que se revela falso no diploma, decidindo o monarca manter os
privilégios por si doados aos queixosos[5].
Também de Ferreira, mas do Campo, vem uma outra disputa com
a Ordem, que se centra no direito deste concelho possuir fornos isentos de
taxação. Os argumentos dos representantes da vila basearam-se no comprimento
dos foros que os regulamentavam, os foros de Alcácer do Sal, descrevendo-se “fornos e fornalhas Jsentos” “ata ao tempo dos outros Meestres”
havendo “fornos e fornalhas Aqueles que os quiserom retar”[6]. Os
procuradores da vila informaram também que o Mestre de Santiago mandara
destruir os fornos, ameaçando com sanções em caso de os reconstruírem[7]. Todas
estas acusações foram negadas pelo procurador do Mestre, sendo decidido pelo
rei a realização de inquirições sobre o assunto, nas quais se concluiu que a
vila tinha razão nas suas asserções. O monarca deu ainda a possibilidade ao
representante da Ordem para mostrar “algûu
derecto espicial de priuilegio ou outros” que comprovava a sua posição, mas
como nada fora apresentado a postura do rei manteve-se[8].
O exemplo que se segue é sobre uma disputa por uns chãos no
termo de Santarém. Num diploma de 1397, da chancelaria de D. João I,
descreve-se esta situação começando por se localizar os chãos em causa,
apresentando-se em seguida os argumentos das duas partes. A Ordem alegava que
os chãos lhe pertenciam porque desde do reinado de D. Afonso IV até ao de D.
Fernando tinham sido construídas nesse espaço “casas e outros edificios os quaães eram foreiros aa dicta hordem”,
que só acabaram por ser derrubadas devido às guerras de D. Fernando com Castela[9]. O
concelho, por outro lado, justificava a posse dos chãos descrevendo a
actividade que rodeava os antigos edifícios e a sua ligação às gentes de
Santarém, salientando o usufruto destas terras pela Ordem sem qualquer espécie
de pagamento[10].
Querendo evitar despesas avultadas no prolongamento da disputa ambas as partes
decidiram fazer uma “amjgauel composiçom”
dividindo os chãos, e a pedido da Ordem de Santiago este acordo foi examinado e
validado pelo rei[11].
Por fim, o caso de Sines e da sua separação do concelho de
Santiago do Cacém, que é um exemplo sintomático da referida gestão danosa da
Ordem de Santiago. Os homens bons de Sines pediram a D. Pedro I, em 1362, que
fossem “jsentos de sugeiçom de santiago
de cacem cuja aldeã era e que fosse ujilla per ssy” e que “ouuvese jurdiçom per ssy e jujzes pêra
fazerem djreito e justiça E outros offiaães que fossem compridoiros pêra boo
regimento desse lugar”[12]. Perante
esta petição o monarca decidiu conceder o estatuto de vila e de concelho a
Sines, enviando ao Mestre de Santiago a sua decisão para a confirmar e aplicar
do modo menos prejudicial a si e aos interesses santiaguistas[13]. Pouco
depois, em 1364, ocorre uma nova queixa dos homens bons de Sines a D. Pedro I.
Desta vez, o novo concelho afirmava que os primeiros limites definidos por um
membro da Ordem tinham sido revogados pelo Mestre, tendo este tirado a “moor parte e o mjlhor do dicto termo” no
qual “nom poderiam auer mantijmento elles
nem seus gaados nem outrossy nom podiam hi auer madeira e nom se podiam em ele
manteer”[14].
O monarca perante esta descrição do novo termo decidiu enviar Gonçalo Esteves,
morador de Beja, para a confirmar, o que ele fez. Este individuo na sua tarefa
descreveu o termo inicialmente definido para Sines como uma “terra de madeira e d aagoas e de ruas e tal
em que bem poderiam auer mantijmento pêra sua lauras e gaados e era sem grande
dãpno do dicto logo de santiago”[15]. Com
isto em mente D. Pedro decide confirmar o primeiro termo de Sines, não deixando
que o mestre nem o concelho de Santiago do Cacém lhe colocassem “sobre ello embargo”[16].
Raros foram os casos na documentação examinada em que a
Ordem se apresenta como queixosa dos municípios, mas tendo em conta que tal
ocorria decidimos apresentar o exemplo de Arruda. Neste caso, Rui Freire,
cavaleiro da Ordem de Santiago, queixa-se a D. João I das dificuldades que as
suas cartas de isenção de portagem, e de outros direitos, dadas a várias povoações,
lhe trouxeram. Descreve-se a chegada de pessoas de outros concelhos a Arruda
nestes termos: “quando aqueece chegam a
esse loguo compram hi em seu termo algûus cousas que embargam pelas dictas
cartas e previllegios que ham de nos de nom pagarem as dictas portageens e
dirreitos o que era grande agravo e prejuízo (…) aa dicta Ordem”[17].
Exemplifica ainda mais esta situação com o caso especifico de dois lisboetas,
João Afonso e Pero Escudeiro, que se recusaram a pagar a portagem que incidia
sobre os “triinta coiros crruus bacariis”
que tinham comprado, alegando que “nom
erom theudos de a pagar por que eram vezinhos e moradores da cidade de Lixsboa
e que nos fazeramos graça e merçee aos moradores da dicta cidade (vila de
Arruda) que nom paguem por todo nosso
senhorio portagem nem husagem nem costumagem nem outro nenhuum trebuto de
todallas mercadorias que levassem”[18].
Mediante estes abusos que aproveitavam as dispensas de portagem sobre certos
produtos, o monarca decidiu obrigar os dois lisboetas mencionados por Rui
Freire a pagar a portagem em falta e repôs “todollos
dirreitos e rendas” que “sempre ouve
a dicta Ordem de Santiaguo” em Arruda, alegando que a sua “tençom non foi quando lhas demos (as
isenções) (…) seer per ellas feito
perjuizo aa dicta Ordem neem aos que esse logo teem”[19].
[1] Cf. Cortes
Portuguesas: Reinado de D. Fernando I (1367-1383), Vol. I, Organização
de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação
Científica, 1990, art.68ª, pp.47-48.
[2] Cf. Idem, ibidem, art.68ª,
p.48.
[3] Cf. Chancelarias
Portuguesas: D. João I , Vol. II - Tomo I, Organização João José Alves
Dias Lisboa, U.N.L., 2005, doc.[II-110], p.65.
[4] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-110], p.65.
[5] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-110], p.65.
[6] Cf. Chancelarias
Portuguesas: D. Afonso IV, Vol. II, Organizador A. H. de Oliveira
Marques, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1992,
doc.56, p.113.
[7] Idem, ibidem, doc.56, p.113.
[8] Idem, ibidem, doc.56, p.114.
[9] Cf. Chancelarias
Portuguesas: D. João I , Vol. II - Tomo III, Organização João José
Alves Dias Lisboa, U.N.L., 2005, doc.[II-1120], p.39.
[10] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-1120], p.39.
[11] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-1120], p.40.
[12] Cf. Chancelaria
de D. Pedro I (1357-1367), Edição A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto
Nacional de Investigação Científica, 1984, doc.705, p.324.
[13] Cf. Idem, ibidem, doc.705, p.324.
[14] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[15] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[16] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[17] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.309.
[18] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.309.
[19] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.310.
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