terça-feira, 26 de junho de 2012

Tensões e Conflitos com a Ordem de Santiago em Portugal durante os séculos XIII e XIV - Parte V


2.3. Com os Concelhos

A Ordem de Santiago como um grande poder senhorial que era, tentou várias vezes aumentar ainda mais a sua riqueza, recorrendo por vezes a estratégias menos legítimas, como a usurpação de direitos e privilégios aos concelhos. Este abuso de poder e a má gestão da Ordem foram as principais causas dos conflitos gerados com os municípios nos documentos analisados.
O primeiro exemplo desta tipologia de contenda, provém de uma queixa realizada nas cortes de Lisboa de 1381, no reinado de D. Fernando. Nela, o povo lamuriava-se que os mestres das Ordens Militares, e outros grandes senhores, davam o cargo de coudel a cavaleiros, peões e a veedores das quantias, tornando-os em grandes fidalgos que “dapnam a terra e pooem huûns em quantia que nom ham E escusam outros que a ham” sendo que “os nossos Jujzes nom housam hj a tornar porque som grandes homeens[1]. Contra estes abusos, os povos dos concelhos pediam ao rei que estes “coudees e aquantiadores” fossem escolhidos entre os “cidadaõs de cada huû logar como ssenpre foy” como “na nosa ordjnhaçom he conteudo”, rogo que foi acedido pelo monarca[2].

Pouco depois da guerra com Castela, que se seguiu ao interregno de 1383-1385, a chancelaria de D. João I emite um diploma no qual se decide sobre uma contenda entre a Ordem e o concelho de Ferreira do Alentejo. Fora anteriormente determinado pelo rei que o anadél e os besteiros do conto deste concelho “nom pagassem em fintas nem em talhas pedidos nem emprestidos nem em outros nemhuûs encarregos que per nos nem per os concelhos onde elles viuerem e morarem seiam lançados também pêra refazimento de muros como doutras quaaesquer cousas que fosem[3]. A Ordem de Santiago é acusada por estes homens de os “costrangueer que paguem aduas e Refazimemtos dos muros desa ujila e em outros emcarregos dese comcelho”, violando-se assim os seus privilégios[4]. A Ordem justifica esta postura alegado a comunicação desta situação ao rei e a sua aprovação, facto que se revela falso no diploma, decidindo o monarca manter os privilégios por si doados aos queixosos[5].
Também de Ferreira, mas do Campo, vem uma outra disputa com a Ordem, que se centra no direito deste concelho possuir fornos isentos de taxação. Os argumentos dos representantes da vila basearam-se no comprimento dos foros que os regulamentavam, os foros de Alcácer do Sal, descrevendo-se “fornos e fornalhas Jsentos” “ata ao tempo dos outros Meestres” havendo fornos e fornalhas Aqueles que os quiserom retar[6]. Os procuradores da vila informaram também que o Mestre de Santiago mandara destruir os fornos, ameaçando com sanções em caso de os reconstruírem[7]. Todas estas acusações foram negadas pelo procurador do Mestre, sendo decidido pelo rei a realização de inquirições sobre o assunto, nas quais se concluiu que a vila tinha razão nas suas asserções. O monarca deu ainda a possibilidade ao representante da Ordem para mostrar “algûu derecto espicial de priuilegio ou outros” que comprovava a sua posição, mas como nada fora apresentado a postura do rei manteve-se[8].


O exemplo que se segue é sobre uma disputa por uns chãos no termo de Santarém. Num diploma de 1397, da chancelaria de D. João I, descreve-se esta situação começando por se localizar os chãos em causa, apresentando-se em seguida os argumentos das duas partes. A Ordem alegava que os chãos lhe pertenciam porque desde do reinado de D. Afonso IV até ao de D. Fernando tinham sido construídas nesse espaço “casas e outros edificios os quaães eram foreiros aa dicta hordem”, que só acabaram por ser derrubadas devido às guerras de D. Fernando com Castela[9]. O concelho, por outro lado, justificava a posse dos chãos descrevendo a actividade que rodeava os antigos edifícios e a sua ligação às gentes de Santarém, salientando o usufruto destas terras pela Ordem sem qualquer espécie de pagamento[10]. Querendo evitar despesas avultadas no prolongamento da disputa ambas as partes decidiram fazer uma “amjgauel composiçom” dividindo os chãos, e a pedido da Ordem de Santiago este acordo foi examinado e validado pelo rei[11].

Por fim, o caso de Sines e da sua separação do concelho de Santiago do Cacém, que é um exemplo sintomático da referida gestão danosa da Ordem de Santiago. Os homens bons de Sines pediram a D. Pedro I, em 1362, que fossem “jsentos de sugeiçom de santiago de cacem cuja aldeã era e que fosse ujilla per ssy” e que “ouuvese jurdiçom per ssy e jujzes pêra fazerem djreito e justiça E outros offiaães que fossem compridoiros pêra boo regimento desse lugar[12]. Perante esta petição o monarca decidiu conceder o estatuto de vila e de concelho a Sines, enviando ao Mestre de Santiago a sua decisão para a confirmar e aplicar do modo menos prejudicial a si e aos interesses santiaguistas[13]. Pouco depois, em 1364, ocorre uma nova queixa dos homens bons de Sines a D. Pedro I. Desta vez, o novo concelho afirmava que os primeiros limites definidos por um membro da Ordem tinham sido revogados pelo Mestre, tendo este tirado a “moor parte e o mjlhor do dicto termo” no qual “nom poderiam auer mantijmento elles nem seus gaados nem outrossy nom podiam hi auer madeira e nom se podiam em ele manteer[14]. O monarca perante esta descrição do novo termo decidiu enviar Gonçalo Esteves, morador de Beja, para a confirmar, o que ele fez. Este individuo na sua tarefa descreveu o termo inicialmente definido para Sines como uma “terra de madeira e d aagoas e de ruas e tal em que bem poderiam auer mantijmento pêra sua lauras e gaados e era sem grande dãpno do dicto logo de santiago[15]. Com isto em mente D. Pedro decide confirmar o primeiro termo de Sines, não deixando que o mestre nem o concelho de Santiago do Cacém lhe colocassem “sobre ello embargo[16].

Raros foram os casos na documentação examinada em que a Ordem se apresenta como queixosa dos municípios, mas tendo em conta que tal ocorria decidimos apresentar o exemplo de Arruda. Neste caso, Rui Freire, cavaleiro da Ordem de Santiago, queixa-se a D. João I das dificuldades que as suas cartas de isenção de portagem, e de outros direitos, dadas a várias povoações, lhe trouxeram. Descreve-se a chegada de pessoas de outros concelhos a Arruda nestes termos: “quando aqueece chegam a esse loguo compram hi em seu termo algûus cousas que embargam pelas dictas cartas e previllegios que ham de nos de nom pagarem as dictas portageens e dirreitos o que era grande agravo e prejuízo (…) aa dicta Ordem[17]. Exemplifica ainda mais esta situação com o caso especifico de dois lisboetas, João Afonso e Pero Escudeiro, que se recusaram a pagar a portagem que incidia sobre os “triinta coiros crruus bacariis” que tinham comprado, alegando que “nom erom theudos de a pagar por que eram vezinhos e moradores da cidade de Lixsboa e que nos fazeramos graça e merçee aos moradores da dicta cidade (vila de Arruda) que nom paguem por todo nosso senhorio portagem nem husagem nem costumagem nem outro nenhuum trebuto de todallas mercadorias que levassem[18]. Mediante estes abusos que aproveitavam as dispensas de portagem sobre certos produtos, o monarca decidiu obrigar os dois lisboetas mencionados por Rui Freire a pagar a portagem em falta e repôs “todollos dirreitos e rendas” que “sempre ouve a dicta Ordem de Santiaguo” em Arruda, alegando que a sua “tençom non foi quando lhas demos (as isenções) (…) seer per ellas feito perjuizo aa dicta Ordem neem aos que esse logo teem[19].



[1] Cf. Cortes Portuguesas: Reinado de D. Fernando I (1367-1383), Vol. I, Organização de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1990, art.68ª, pp.47-48.
[2] Cf. Idem, ibidem, art.68ª, p.48.
[3] Cf. Chancelarias Portuguesas: D. João I , Vol. II - Tomo I, Organização João José Alves Dias Lisboa, U.N.L., 2005, doc.[II-110], p.65.
[4] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-110], p.65.
[5] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-110], p.65.
[6] Cf. Chancelarias Portuguesas: D. Afonso IV,  Vol. II, Organizador A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1992, doc.56, p.113.
[7] Idem, ibidem, doc.56, p.113.
[8] Idem, ibidem, doc.56, p.114.
[9] Cf. Chancelarias Portuguesas: D. João I , Vol. II - Tomo III, Organização João José Alves Dias Lisboa, U.N.L., 2005, doc.[II-1120], p.39.
[10] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-1120], p.39.
[11] Cf. Idem, ibidem, doc.[II-1120], p.40.
[12] Cf. Chancelaria de D. Pedro I (1357-1367), Edição A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1984, doc.705, p.324.
[13] Cf. Idem, ibidem, doc.705, p.324.
[14] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[15] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[16] Cf. Idem, ibidem, doc.967, p.
[17] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.309.
[18] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.309.
[19] Cf. Idem, ibidem, doc.166, p.310.

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