Após a conquista definitiva dos cristãos de Santiago
do Cacém, e da sua consequente doação, em 1217 por D. Afonso II, à Ordem
Militar de Santiago[1], esta
povoação passou rapidamente de mera localidade do termo de Alcácer do Sal, uma
das maiores o reino na Idade Média, para vila no ano de 1249[2].
Desde essa data até 1311, Santiago do Cacém foi uma comenda dos santiaguistas,
passando por um curto período de controlo senhorial com Dona Vataça Lascaris,
que terminou com a vida da princesa bizantina[3].
A partir de 1336 a vila regressou ao controlo da Ordem de Santiago e passou a
pertencer à mesa mestral[4],
situação que permaneceu até à extinção da referida Ordem.
A falta de fontes que tenham informações sobre o
espaço e a população da vila de Santiago do Cacém em 1512, data de publicação
do seu “foral novo”, levou-nos a recorrer a dados obtidos em datas apróximadas.
Assim sabemos que na primeira metade do século XVI esta vila detinha um vasto
termo[5],
que incluía a “ribeira de millides”[6],
Ortiga, Peral, Benaiça e Rodrigo Añes[7],
e que existem duas fontes coevas, o Numeramento
de 1527-32 e o Cadastro da População
do Reino, de 1537, ambas mandadas fazer por D. João III, que nos informam sobre
o seu número de habitantes. A primeira refere a existência de duzentos e
dezoito habitantes na vila[8]
e de quinhentos e oitenta e cinco em todo o concelho[9],
e a segunda de oitocentos e setenta e dois vizinhos do concelho[10].
Como se sabe a recolha deste números teve algumas falhas metodológicas e como
tal é necessário ler estes dados como valores aproximados.
Passando para a estrutura administrativa do concelho, a
leitura da carta de foral não nos fornece mais do que umas poucas alusões a
funcionários municipais, mencionando-se apenas tabeliães, montarazes, rendeiros
do gado[11],
juízes, vintaneiros, quadrilheiros[12]
e escrivães do concelho[13].
Como a organização concelhia devia ser semelhante à
das outras localidades do senhorio da Ordem de Santiago decidimos por analogia
a Alcácer do sal e Alhos Vedros nomear todos os cargos que deveriam existiriam
neste concelho: alcaide-mor, almotacé, vereador, procurador, juízes (ordinários e de distintos foros), vintaneiro,
escrivão, tabelião, porteiro, pregoeiro e quadrilheiro[14].
Os forais manuelinos eram diplomas muito estereotipados no seu conteúdo,
apresentado uma estrutura quase formal, com disposições comuns a todos eles[16].
Mesmo perante este facto, se partimos do pressuposto que a lista de bens
taxados e isentos da portagem é representativa da realidade económica da
comunidade, não podemos, sem confrontar os dados do foral com outras fontes, determinar
que bens eram ou não produzidos localmente. Este é o dilema em que nos
encontramos, pois nenhumas Visitações
da Ordem de Santiago nem outra espécie de documentos são conhecidos para serem
usados como termo de comparação. Como tal optamos por analisar alguns aspectos
mais óbvios que o foral nos dá a conhecer sobre a vida económica da vila.
O facto deste foral ser de portagem e, como tal, ser preenchido
por uma longa lista de bens taxados e isentos, leva a querer que seria um
centro urbano com uma intensa prática comercial, levada a cabo por mercadores
profissionais que se deslocavam por todo o território nacional[17].
Esta hipótese é reforçada pela existência de uma via romana, que poderiam estar
ainda em uso nos inícios da modernidade, em direcção ao reino do Algarve, que passava
próximo de Santiago do Cacém.
Em todo o diploma encontramos as seguintes actividades
a serem praticadas: o tabelionato; a criação de gado (bovino, asnal, caprino,
ovino e suíno); produção de cereais, azeite, vinho, vinagre;
caça; pesca de peixe e marisco; a extracção de
lenha, de cera, de mel, de açúcar e de sal; cultivo de legumes e de frutas (favas, mostarda, lentilhas, alhos, cebolas, hortaliça, castanhas,
nozes, ameixas, figos passados, uvas, amêndoas, pinhões, avelãs, bolotas,
laranjas, cidras, peras, cerejas, uvas, figos, melões); e a produção
semi-manufactureira (vestuário, calçado, curtição, moagem, utensílios domésticos,
produtos de farmácia, tinturária e perfumes).
Desta longa lista apenas podemos afirmar com alguma segurança
a existência de uma mão cheia destas práticas, sendo a primeira o tabelionado. Dela
sabemos que a pensão dos tabeliães variava conforme a média de receitas que
estes obtinham pelo seu labor. Com um termo muito maior que o de Arraiolos e
Alhos Vedros, e uma população superior à desta última vila[18],
Santiago do Cacém tinha quatro tabeliães que pagavam novecentos reais anuais ao
rei, totalizando um total em conjunto de três mil e seiscentos reais, valor
próximo dos três mil cento e vinte reais anuais de Alhos Vedros[19]
e dos três mil oitocentos e setenta de Arraiolos[20].
Estes valores apenas servem para determinar que a actividade destes
funcionários era tão intensa como a dos seus congéneres em duas localidades da
província do Alentejo, não nos sendo apresentadas mais informações no foral
sobre a sua actividade.
O pão e o vinho eram produtos alimentares básicos na
alimentação das populações do início da Idade Moderna e como tal deviam ter uma
presença garantida nos campos do termo de Santiago do Cacém. A sua isenção na portagem,
para os vizinhos do concelho, confirma o seu estatuto de bens essenciais
acessíveis à maioria, facilitado pelo poder central que não devia obtém deles
grandes proveitos na sua tributação.
É óbvio que a transformação dos cereais e das uvas
acarretava a existência de meios de produção próprios, como mós, moinhos,
fornos e lagares, que, exceptuando o primeiro exemplo, não são mencionados no
texto, tronando-se assim impossível determinar a sua importância global.
A pecuária era um dos sustentáculos da vida das vilas
de média e pequena dimensão o período. Da criação de gado o homem obtinha força
de tracção para trabalhar nos campos, meio de transporte para pessoas e bens e inúmeros
produtos derivados, como a carne, o leite, o queijo, a manteiga, as peles e a lã,
essenciais à sua alimentação.
Na portagem o gado bovino era o que mais pagava, um
real por cabeça, sendo que os restantes animais pagavam dois ceitis. Dos alimentos
provenientes destes animais só o leite não é colectado, o queijo, a manteiga,
os coros e a lã são-no em transacções com elevadas quantidades, ligadas ao
comércio. A livre circulação de animais nas pastagens da comarca, a isenção na
compra de mantimentos pelos pastores para si e para o seu gado, e a prática de
curtição de peles são elementos referidos no foral que parecem indicar a vulgaridade
e abundância da pecuária na zona.
A pesca é um elemento forte neste concelho, já que
grande parte do seu termo faz fronteira com o Oceano Atlântico, contendo ainda três
lagoas, a de Melides, de Sancha e de Santo André. Acima dos dez quilos de peixe
e de marisco, comprado ou vendido taxava-se de carga maior um real e meio, ficando-se
apenas isento se o pescado do mar fosse inferior a dez quilos e o de água doce fosse
abaixo dos cinco quilos, e neste último caso só com certos
peixes, como as trutas, os bordalos e as bogas. O porquê desta excepção é um
mistério pela falta de outras fontes, conjecturamos que talvez esta prática estivesse
relacionada com os privilégios que a Ordem tinha sobre outras espécies, mais “apetecidas”.
De qualquer modo, os valores taxados ao pescado e a importância desta prática
na região para a subsistência da população, aparentam ser suficientes para
confirmar a sua presença.
[1] Cf. Pe Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, 2ª Edição, Lisboa, Europa-America,
2001, p.110.
[2] Cf. Maria Teresa Lopes Pereira, Alcácer
do Sal na Idade Média, 2º Edição, Lisboa, Edições Colibri, 2007, p.52.
[3] “Livro dos Copos - Vol. I”, in Militarium
Ordinum Analecta, Nº 7, Coordenação Paula Pinto Costa, Porto, Fundação
Engenheiro António de Almeida, 2006, doc.115, pp.232-233.
[4] O que correspondia à
administração directa destes bens pelo mestre da Ordem.
[5] Igual ou superior ao de Évora, Beja e Alcácer
do Sal no mesmo período. Vide Supra Mapa
da Divisão Administrativa do Alentejo Segundo o Numeramento de 1517-32,
p.23.
[6] Cf. Luiz Fernando de Carvalho Dias, ob.cit., p.43.
[7] Cf. Júlia
Galego, A
Comarca d'amtre Tejo e Odiana no numeramento de 1527-1532, Lisboa, Centro
de Estudos Geográficos, 1982, entre as páginas 11 e 12.
[8] Cf. Teresa Ferreira Rodrigues, “As Estruturas Populacionais”, in História de Portugal, Direcção de José
Mattoso, Coordenação de Volume Joaquim Romero Magalhães, Vol.III – No Alvorecer da Modernidade (1480-1620),
[Lisboa], Circulo de Leitores, 1993, p.203.
[9] Cf. Júlia
Galego, ob.cit.,
p.16, na vigésima quarta entrada da tabela.
[10] Cf. Maria Fernanda Alegria, “O Povoamento a
Sul do Tejo nos Séculos XVI e XVII”, in Revista da Faculdade de Letras -
GEOGRAFIA, I
Série, Vol. I, Porto, 1986, p.202
[11] Cf. Luiz Fernando de Carvalho Dias, ob.cit., p.43.
[12] Cf. Idem, ibidem, pp.46-47.
[13] Cf. Idem, ibidem, p.47.
Estes últimos escrivães são referentes aos outros concelhos.
[14] Cf. Idem, ibidem,
p.25 e Cf. Maria Teresa Lopes Pereira, ob.cit.,
p.178. Para saber mais sobre estes cargos aconselhamos a leitura dos glossários
do Foral de Vila Nova de Portimão: 1504, Actualização,
Introdução, Notas e Glossário de Maria da Graça Maia Marques e Maria da Graça
Mateus Ventura, Portimão, Câmara Municipal de Portimão, 1990,
pp.83-96 e do Foral de Alhos Vedros,
pp.91-94, disponível on-line em versão pdf em http://www.geocities.com/alhosved/,
última revisão a 7/2008, ficheiro capturado a 5/06/08.
[15] Vide. Infra.p.6.
[16] Cf. Foral de Alhos Vedros , ob.cit., p.20
[17] Cf. Idem, ibidem, p.77.
[18] Cf. Teresa Ferreira Rodrigues, ob.cit.,
p.203.
[19] Dois tabeliães pagavam mil quinhentos
e sessenta reais (Foral de Alhos Vedros,
ob.cit. p.57).
[20] Dois tabeliães pagavam mil novecentos
e trinta reais (O Foral de Arraiolos,
ob.cit., p.51).
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